Uma leitura social a partir do cinema de Glauber Rocha

Cinema e representação da realidade social

Cláudio Almeida Silva Filho

Por Cláudio Almeida Silva Filho [1]

A arte, em suas demasiadas formas de expressão, pode representar a realidade social de uma época demonstrando os costumes, crenças, valores, problemas sociais, etc. Desse modo, o cinema é um elemento que dialoga com as questões sociais de um período porque a realização de uma obra se dá pela apreensão do mundo objetivo, e o seu criador, ao interagir com a sociedade, transmite a sua produção fílmica os significados absorvidos em sua relação com o espaço social.

Partindo desta compreensão, Glauber Rocha foi um dos muitos cineastas que pensou através da sua obra cinematográfica os problemas sociais do país. Alguns filmes do diretor, a exemplo, de Barravento (1962) e Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), dialogam com o ambiente social brasileiro em diversos aspectos; o primeiro, estabelecendo um diálogo com a cultura negra; o segundo, representando a miséria e exploração no sertão baiano.

Esses filmes são importantes para discutir a respeito das contradições sociais presentes no Brasil na década de 1960, as quais continuam até os dias atuais. Barravento (1962) apresenta a história de uma comunidade pesqueira que vive em situação de precariedade, onde a atividade principal de subsistência (pesca) é explorada através do dono do meio de trabalho (rede) utilizado para desenvolver o serviço. Essa é apenas uma das questões abordadas na obra, mas o elemento central gira em torno do debate sobre a cultura negra.

Glauber Rocha demonstra, por meio das manifestações culturais da comunidade pesqueira, os elementos que expressam a ancestralidade dos membros da aldeia, por exemplo, o candomblé, a capoeira, a roda de samba e os rituais em torno da religiosidade. Através desse movimento o cineasta transgride a estética veiculada pelo cinema brasileiro, a qual estava imersa na reprodução dos anseios, práticas e moral da classe média. Ao apresentar a vida de um grupo socialmente marginalizado o diretor questiona a representatividade da população negra no cinema proporcionando uma reflexão sobre a sua situação.

Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) é passado em Monte Santo, sertão baiano. O filme discute as dificuldades ocasionadas pela seca e a exploração exercida por representantes da elite local. A obra é construída em volta do casal Rosa e Manuel que buscam uma saída para escapar da miséria e da pauperização social viabilizadas pelo espaço social nordestino.

Glauber Rocha para realizar a produção do filme fez um trabalho sócio-antropológico na cidade de Monte Santo, desenvolvendo entrevistas com a população local com o intuito de narrar à história, de modo que as relações debatidas na obra fossem uma expressão da materialidade social. Isso fica explícito no uso da população da cidade na película, dos relatos dos nativos e das filmagens feitas em diversos espaços do município.

Benjamin (1969) destaca que arte provoca reflexões profundas para um determinado tempo que não está maduro o suficiente para absorvê-las. Nesse sentido, a obra de arte traz em si o papel transgressor, ou seja, o seu movimento de interação com o mundo objetivo se dá pela abstração e constante reflexão sobre as relações desenvolvidas no ambiente social. Dessa maneira, ao agir dialeticamente com a sociedade o objeto artístico expressa o antagonismo social.

Sobretudo, o cinema glauberiano possui uma leitura sobre a realidade social que proporciona compreender a dinâmica de uma época, assim como, permite pensar as estruturas nas quais se fundamentam o status quo. Logo, ao estabelecer um novo modelo estético para construir sua cinematografia o cineasta rompeu com uma forma e conteúdo de elaboração fílmica, isto é, pensou o seu cinema como um instrumento crítico às mazelas sociais.

 

Bibliografia

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. Gilberto Velho (org.). In: _____. Sociologia da Arte, IV. Rio de Janeiro: Zahar, 1969. cap 1, p.15-47.

JUNIOR, Humberto Alves Silva. A estética sociológica de Glauber Rocha. Salvador, 2015. 256p. Tese de Doutorado – Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais – Universidade Federal da Bahia.

ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. Rio: Alhambra/Embrafilme, 1981.

 

 

[1] Graduando pela Universidade do Estado da Bahia, e membro do grupo de pesquisa: Representações Sociais: arte, ciência e ideologia – FFCH/UFBA.

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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