Uma metamorfose ambulante: A identidade em tempos líquidos*

Por Cristiano Bodart
Quando Raul Seixas trouxe a música “Metamorfose ambulante”, em 1973, provocou em seus ouvintes uma reflexão bastante pertinente: o caráter metamórfico da percepção da realidade e, consequentemente, da identidade.
Raul, conhecido por sua oposição ao modo de vida da sociedade ocidental, questionou, por meio dessa música, a ideia de que precisamos ter um pensamento petrificado em relação a realidade social e, consequentemente, termos uma identidade fixa, imutável. Embora todos tenhamos identidades em mutações, a referida música nos provoca uma reflexão bastante interessante.
Um estudioso do tema “identidade”, Stuart Hall, nos indica que a identidade não é algo estático, tratando-se de “uma celebração móvel”, portanto “formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam”. Para esse estudioso, nós, em meio ao mundo moderno marcado por múltiplas influências, tendemos a assumir identidades variadas de acordo com o momento. Nossas identidades são construídas a partir da influência de nossas experiências sociais cotidianas. Como nossas experiências se dão em um fluxo contínuo, nossa identidade será uma “metamorfose ambulante”.
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman bem apresentou em seu livro “Modernidade Líquida”, que vivenciamos um período de grande fluidez, marcado por rápidas mutações. Se a identidade é formada pelos contatos sociais que temos e este têm sido cada dia mais superficiais e transitórios, consequentemente estaremos sujeitos a sermos influenciados em nossa forma de pensar e agir, metamorfoseando nossa identidade.
A posição de Raul Seixas de optar por ter uma identidade metamórfica ambulante parece não ser uma opção no presente século, se é que era na década de 1970. Não há opção, somos uma metamorfose ambulante!
A identidade é o conjunto de tudo que eu vivencio como sendo eu em contraponto àquilo que percebo ou anuncio como não-eu. A identidade é marcada pela diferenciação em relação aos outros indivíduos. Porém, estando inseridos em um contexto social, acabamos influenciados por ele, o que nos torna, em certa medida, iguais. Estamos atrelados a um “universo social”, o que nos permite termos uma identidade social, étnica, religiosa, etc.
É importante mencionar que como não fazemos parte apenas de um grupo social e que podemos adquirir características desses diversos grupos, os quais estamos integrados, e essas características se manifestarão, ou não, em determinados contextos. Mais uma vez identificamos que somos uma metamorfose ambulante e que não temos uma “velha opinião formada sobre tudo”. Por ora, aponto essa reflexão em torno do tema identidade e, de antemão, peço que não estranhe se eu, amanhã, querer dizer “o oposto do que eu disse antes”… isso por que “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante”.
*Texto originalmente publicado no site Vale Publicar.

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

2 Comments

  1. Eu terminei de ler semana passada o livro Identidade do Zygmunt Bauman, é muito bom. Ele fala bem sobre a questão da identidade na pós-modernidade e sua liquidez, assim como a liquidez das relações humanas 😀

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