Para entender violência na escola, é necessário pensar inicialmente a violência no sentido geral. Neste sentido, a violência é um fenômeno milenar e não se limita, nos tempos atuais, ao âmbito das relações entre os sujeitos, tão somente. Ela pode ocorrer no espaço escolar entre indivíduos, deles à escola, e também da escola contra os estudantes (SANTOS, 2019).
Por Sergivano Antonio dos Santos*
Este texto tem por objetivo pensar as conexões entre violência e escola, a partir do qual é dividido em três partes, uma conceitual, outra sobre o papel do educador e por fim as considerações finais. A primeira parte explica a diferença conceitual entre violência na escola, da escola e contra a escola. Já a segunda, traz algumas breves provocações sobre o papel do educador diante de tais violências. Por fim, as considerações finais sintetizam a relevância de se compreender os conceitos.
Escola e violência: questões conceituais sobre violência na escola, da escola e contra a escola
Inicialmente precisamos compreender que há várias formas de violência que podem acontecer no espaço escolar e que tais formas de violência precisam ser compreendidas pelos agentes educacionais para que estes saibam como lidar com tais situações. Neste sentido, Para Priotto e Boneti
[…] o caráter multifacetado da violência no ambiente escolar impõe uma série de desafios no que tange à definição do fenômeno. Um desses é distinguir o fenômeno violência escolar (grifo meu) para que se possa estabelecer com clareza o papel dos educadores e da escola enquanto instituição na prevenção da violência (PRIOTTO E BONETI, 2009, p. 165).
Por outro lado, Abramovay (2003), diferente de Priotto e Boneti (2009), entende e define o fenômeno da violência escolar como violência na escola. Mas amplo que o entendimento de Abramovay, a violência escolar engloba a violência na, da e contra a escola. De igual modo, a violência escolar para Priotto (2008) e a violência na escola para Abramovay (2003) pode se manifestar na forma de violência física, agressão, violência simbólica, violência verbal: incivilidades (pressão psicológica), humilhações, palavras grosseiras, desrespeito, intimidação ou “bullying”.
No entendimento de Charlot (2002), a violência dentro da ou na escola, necessariamente, pode não estar relacionada diretamente à instituição escolar. É o caso, por exemplo, quando uma pessoa invade a escola para acertar contas, intimidar alunos e etc. Ela se torna, nesse caso, palco da violência que poderia ter sido resolvida antes mesmo de chegar a ela. Assim, as pessoas adentram o espaço escolar para acertarem contas relacionadas a dívidas de drogas ou rixas antigas, por exemplo. Esse tipo de violência segundo Charlot (2002) pode ocorrer “sem estar ligada à natureza e às atividades da instituição escolar […]” (p. 434) e em que “[…] a escola é apenas o lugar de uma violência que teria podido acontecer em qualquer outro local” (p. 343).
Já a violência da escola refere-se a tudo aquilo que está associado às atividades ligadas à natureza da instituição escolar. Aqui, a violência é institucional e simbólica por ser praticada pela instituição de ensino através de seus agentes. A violência simbólica a partir do entendimento de Bourdieu (2010) é de difícil identificação por ser revestida ou travestida de uma pseudo legitimidade institucional. A violência simbólica se apresenta e se impõe aos indivíduos na dimensão moral e psicológica (SANTOS, 2019). Mas quando essa situação ocorre? Ela ocorre quando os estudantes são tratados de forma arbitrária pelo corpo de servidores da escola, inclusive professores, que fazem uso do poder que lhes confere a profissão no exercício de suas atribuições para fazer das notas ou quaisquer outros meios um mecanismo de controle e de dominação. A violência contra a escola é praticada pelos alunos à instituição que, nesse caso, pode ser: provocar incêndio, pichar paredes, destruir bancas, bater ou insultar professores ou funcionários (Charlot, 2002).
Também é importante observar o sentido dado por Debarbieux (2002) à violência na escola, que diferente de Charlot, Debarbieux as diferencia por entender que a violência na escola é algo que ocorre dentro da escola, mas é preciso levar em conta as especificidades que a escola tem para poder compreendê-la. Para isso, segundo Debarbieux (1997 apud LOPES, 2008), precisaria considerar as violências não tipificadas no código penal como as “incivilidades” ou “microviolências”, que estariam relacionadas ao (des)respeito, ao descaso e à negação do outro, um ataque à cidadania.
Violência e escola: papel do educador
Partindo do que já foi dito em parágrafos anteriores, a escola, seja ela palco para a violência ou que sofra, ou pratique a violência, reflete, de alguma maneira, o complexo de relações vividas na sociedade como tem apontado Abramoway (2002), Aquino (1996) e Ferreira e Neves (2016). Isso torna a escola uma microestrutura das relações sociais na qual é refletida, em parte, as violências. No entanto, as práticas de violência na escola, da escola e contra a escola, não tira dela a importância, como locus de ensino, de problematização e superação dessas práticas. Assim, de posse do conhecimento acerca desses conceitos, o professor pode provocar os estudantes e a instituição escolar conduzindo-os ao estranhamento e à desnaturalização dessas ações.
Considerações Finais
Tratando, portanto, de maneira científica os conceitos, sem desconsiderar suas possibilidades e virtudes, tampouco de esgotá-los, estas considerações cumprem a tarefa de oferecer aos leitores, uma explicação acerca dos conceitos de violência na escola, da escola e contra a escola. A partir de uma breve incursão pelos conceitos já mencionados e dos exemplos que foram dados após cada conceito trabalhado, percebe-se que não só do ponto de vista semântico, mas conceitual e de manifestação prática, as diferenças entre ambos. Por fim, o texto revela não apenas uma possibilidade de compreensão e reflexão acerca dos conceitos, que não se esgota neles mesmos, a importância do professor no processo de estranhamento e desnaturalização das práticas.
Referências Bibliográficas
ABRAMOVAY, Miriam. Miriam. Violências nas escolas / Miriam Abramoway et ali. – Brasília : UNESCO, Coordenação DST / AIDS do Ministério da Saúde, Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, CNPq, Intituto Ayrton Senna, UNAIDS, Banco Mundial, USAID, Fundação Ford, CONSED, UNDIME, 2002.
AQUINO, J. G. Da (contra) normatividade do cotidiano escolar: problematizando discursos sobre a indisciplina discente. Cad. Pesqui., 41(143), 456-484, 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cp/v41n143/a07v41n143.pdf Acesso em: 20/06/2017.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico / Pierre Bourdieu; tradução Fernando Tomaz (português de Portugal) – 13º ed. – Rio de Janeiro; Bertand Brasil, 2010.
CHARLOT, B. (2002). A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa questão. Sociologias, 4(8), 432-443.
DEBARBIEUX, E. “Violências nas escolas”: divergências sobre palavras e um desafio político. In E. Debarbieux & C. Blaya (Orgs.), Violência nas escolas e políticas públicas. Brasília: UNESCO, (2002).
FERREIRA, Hugo Monteiro. NEVES, Maria Angélica de Deus Xavier Infância, violência na escola: diálogos e contextos. Cadernos de Ciências Sociais da UFRPE, Recife, Vol. II, N. 9, Ago/Dez, 2016.
LOPES, Claudivan Sanches. A violência nas escolas de Maringá, Estado do Paraná. Maringá, v. 30, n. 1, p. 35-44, 2008
PRIOTTO, Elis Palma. Características da violência escolar envolvendo adolescentes. In: EDUCERE. Congresso de Educação da PUCPR, 6, 2006. Curitiba. Anais… Curitiba: Champagnat, 2006. p 16-28
______. Violência escolar: políticas públicas e práticas educativas. 2008. 200 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2008.
SANTOS, Sergivano Antonio dos. Violência no espaço escolar: discurso, sujeito e as práticas em escolas públicas de Caruaru. Dissertação (mestrado) – Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ, Recife, 2019.
*Mestre em Ciências Sociais pela FUNDAJ e professor de Sociologia na rede estadual de ensino. sergivanosantos.cs@gmail.com
Um tema que deveria ser debatido muitos entre os jovens na sala de aula.
Verdade, Dream, este é um debate necessário, inclusive nos dias atuais.