Xote Ecológico de Luiz Gonzaga: uma interpretação sociológica

xote ecológico

A música “Xote Ecológico” foi composta por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, mas ganhou notoriedade na voz de Luiz Gonzaga Júnior (Gonzaguinha) em 1990, após a morte de seu pai, Luiz Gonzaga. A canção reflete as crescentes preocupações ambientais que emergiam no Brasil dos anos 1980 e 1990, um período marcado por transformações políticas e econômicas que impactaram diretamente o meio ambiente.

O Brasil vivia um período de redemocratização após duas décadas de ditadura militar (1964-1985). A Constituição de 1988 trouxe artigos inovadores sobre a proteção ambiental, reflexo das mobilizações sociais que questionavam os modelos de desenvolvimento adotados até então. A década de 1980 também foi marcada pelo crescimento acelerado da urbanização e industrialização, sobretudo na região Amazônica, onde desmatamento e queimadas aumentavam a um ritmo alarmante.

O assassinato de Chico Mendes, líder seringueiro e símbolo da luta pela preservação da Amazônia, em 1988, ecoa diretamente na letra da canção. Esse evento evidenciou a violência que acompanha os conflitos fundiários e a exploração predatória dos recursos naturais. A pressão internacional sobre o Brasil devido à degradação ambiental também se intensificava, destacando a contradição entre o crescimento econômico e a sustentabilidade.

Xote Ecológico: Análise da Letra e Conexões Sociológicas

A letra de “Xote Ecológico” apresenta uma crítica contundente às consequências da degradação ambiental. O trecho:

“Não posso respirar, não posso mais nadar / A terra está morrendo, não dá mais pra plantar”

indica uma realidade na qual a poluição compromete elementos essenciais da vida: o ar, a água e o solo. Segundo Ulrich Beck (2010), a modernização industrial gera riscos ambientais que atingem toda a sociedade, mas impactam de forma mais severa os grupos socialmente vulneráveis. Essa perspectiva se insere na “sociedade de risco”, conceito que evidencia como o progresso tecnológico e econômico pode intensificar ameaças ambientais e sociais.

Outro trecho significativo da música diz:

“E se plantar não nasce, se nascer não dá / Até pinga da boa é difícil de encontrar”

Essa passagem reflete o impacto da degradação ambiental sobre a agricultura, levando à infertilidade do solo e à escassez de recursos naturais. Karl Marx (2011) trata desse fenômeno ao discutir a alienação do trabalhador em relação à natureza, quando os meios de produção se tornam propriedade do capital. A mecanização e o uso excessivo de agrotóxicos destroem a biodiversidade e afastam os camponeses de sua relação ancestral com a terra.

O verso:

“Cadê a flor que estava aqui? Poluição comeu / E o peixe que é do mar? Poluição comeu”

reforça a ideia da destruição ambiental, resultado da exploração predatória dos recursos naturais. Esse processo pode ser compreendido sob a ótica do “colonialismo ecológico”, conceito abordado por Mangabeira (2004), que descreve como grandes corporações exploram ecossistemas em nome do “progresso”, frequentemente ignorando o impacto sobre comunidades locais.

O último trecho relevante menciona:

“Nem o Chico Mendes sobreviveu”

Aqui, a música faz uma referência direta ao ambientalista assassinado em 1988. Chico Mendes simboliza a luta dos seringueiros e comunidades tradicionais contra os grandes latifundiários. Joan Martinez Alier (2007) discute esse tipo de conflito ao introduzir o conceito de “ecologia dos pobres”, argumentando que os mais afetados pela degradação ambiental são justamente aqueles que dependem diretamente dos recursos naturais para sua sobrevivência.

Xote Ecológico: Conexões com Teorias Sociológicas

A análise da música pode ser aprofundada com a contribuição de três grandes correntes sociológicas:

  1. Ecocriticismo: David Harvey (2004) analisa a “acumulação por espoliação”, um processo no qual a natureza é transformada em mercadoria, gerando lucro para poucos e prejuízo para muitos.
  2. Teoria da Dependência: Segundo Theotonio dos Santos (2000), a exploração dos recursos naturais brasileiros pelos países centrais perpetua a desigualdade e o subdesenvolvimento.
  3. Marx e Engels e as transformações das condições materiais: Marx e Engels (2011) argumenta que a destruição ambiental modifica de forma predatória as condições materiais que levam a situações de desregulaçãod o sociometabolismo e pode levar o homem a um cenário muito perigoso.

Xote Ecológico: Legado e Relevância Atual

A mensagem do “Xote Ecológico” permanece atual. Questões como justiça climática, desmatamento e crises hídricas continuam sendo desafios urgentes. Além disso, a canção ilustra como a cultura pode ser um instrumento de resistência, utilizando o xote, um ritmo tipicamente nordestino, para denunciar os impactos negativos do modelo de desenvolvimento vigente.

A crítica social presente na letra evidencia que a crise ecológica é, antes de tudo, uma crise social. A reflexão proposta por Luiz Gonzaga atravessa décadas e se torna cada vez mais necessária diante dos desafios ambientais do século XXI.

Essa é uma inúmeras interpretação da música xote ecológico, qual sua? Coloca aí nos comentários.

Referências

  • BECK, Ulrich. Sociedade de risco: Rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010.
  • HARVEY, David. O novo imperialismo. São Paulo: Loyola, 2004.
  • MARX, Karl. O capital: Crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2011.
  • MARTINEZ ALIER, Joan. O ecologismo dos pobres. São Paulo: Contexto, 2007.
  • MANGABEIRA, João Alfredo de Carvalho. Colonialismo ecológico e política ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.
  • SANTOS, Theotonio dos. A teoria da dependência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

Roniel Sampaio Silva

Doutorando em Educação, Mestre em Educação e Graduado em Ciências Sociais e Pedagogia. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Teresina Zona Sul.

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