/

Origens da Sociologia: Reacionário é a mãe!

Origem da Sociologia
Reacionário é a mãe! 

 

Por Cristiano das Neves Bodart
cristianobodart@hotmail.com

 
O termos reacionários e conservador são amplamente utilizados no cotidiano, sobretudo no ambiente universitário e político. Geralmente são utilizadas como palavras sinônimas e entendidas como ofensa.
 
O conceito “conservador” é próximo ao de “reacionário”. Conservador é o indivíduo que busca conservar, preservar e manter a ordem das coisas, sobretudo em relação à questões culturais. Reacionário geralmente tem um sentido mais político, designando aquele que deseja a manutenção do sistema econômico e político em sua atual característica, assim como o status quo
 
Para o New International Dictionary define conservadorismo como a “disposição e tendência para conservar e que está estabelecido” apontando o conservador como aquele que tende a manter instituições e pontos de vista existentes e ser contrário à mudança ou a inovação.
 

“Para o cientista social contemporâneo ser tachado de conservador é mais frequentemente uma crítica do que um elogio”, dizia Robert A. Nisbet. Para esse sociólogo a ofensa existente no termo reside na visão particularista de sua definição, mas que em uma visão geral, o termo “não pode ser restringido aos termos psicológicos de atitudes e respostas avaliativas”. Para ele, “nos termos contextuais históricos há também ideias conservadoras” (NISBET, 1970).

 
Ideias tais como status, coesão, ajuntamento, função, norma, ritual, símbolo, são ideias conservadoras não apenas no sentido superficial de que cada uma delas tem como seu referencial um aspecto da sociedade plenamente interessado na manutenção ou na conservação da ordem, mas no importante sentido de que todas essas palavras são partes integrantes da história do conservadorismo europeu” (NISBET, 1970, p. 62).
 
Dito isto, o cientista social, particularmente o sociólogo, foi forjado também por conceitos conservadores, pela preocupação em compreender as mudanças sociais desencadeadas pelas Revoluções Industrial e Francesa e pela pretensão em corroborar para a “harmonia” ou “ajuste” social. Nesse sentido, o sociólogo é também filho de uma perspectiva conservadora, de pais que relutaram contra as mudanças sociais de sua época, que questionavam a capitalismo nascente ou as alterações que este causava no tecido social. Trabalhos como os de E. Durkheim, tais como, O Suicídio, estavam mergulhados no conservadorismo. Claro que não podemos ignorar os trabalhos preocupados com a mudança, tais como os de Karl Marx (lembrando que na época não era considerado sociólogo). Porém, se de um lado Marx exaltava a revolução, conclamando a união dos proletários para uma mudança radical, por outro esboçava aspectos conservadores em relação às antigas formas de trabalho e relação do homem com o fruto de seu trabalho. O fato é que revolução e manutenção sempre perpassaram os estudos da sociologia, independente da corrente ideológica. Desta forma, uma coisa é certa: reacionário é a mãe!
Atualmente, maior parte dos cientistas sociais se ofendem se classificados como conservadores ou reacionários, o que não é muito lógico. Ainda hoje, independente da corrente ideológica, todos carregam concepções conservadoras e revolucionárias, embora seja certo que variando em intensidade de acordo com a questão em pauta. Para exemplificar, tomamos alguns temas atuais: 1. direito dos índios à terra; 2. Reforma Agrária; 3. Casamento homoafetivo; 4. Reforma do Judiciário; 5. Manifestações violentas e de confronto aberto com o Estado.
 
Dentre os temas destacadas, você se coloca como reacionário ou revolucionário? Defende a necessidade da mudança ou da manutenção da atual situação em questão? Certamente não responderá que se mantém em todos os temas como reacionário ou revolucionário. Por que então se intitula como revolucionário ou reacionário? Por que se ofende com um desses dois termos?
 
Por mais que se coloque como revolucionário (tendência atual dos cientistas sociais), desejoso de mudanças sociais-culturais substantivas, categorias sociológicas tradicionais fazem parte de sua perspectiva analítica. Embora tente, não conseguirá negar que és filho do conservadorismo e herdeiro, em muitos casos, da tendência de buscar a harmonia social ou a preservação da cultura, por exemplo. Por isso, se alguém disser que você é reacionário, responda prontamente: reacionário é a mãe!
 
O fato é que se temos opiniões variadas de acordo com as questões em pauta, não faz sentido rótulos prontos, tais como revolucionário ou reacionário. Se você é cientista social, o certo é que reacionário é a mãe; minha e sua, ainda que tenhamos pais diferentes.
 
 
 
 
Nota: No Brasil o ensino de Sociologia foi originalmente reacionário (confira aqui uma pesquisa que demonstra com dados empíricos esse caráter do ensino de Sociologia).
Referência
NISBET, Robert. A. Tradition and Revolt. Vintage Books, New York, 1970. 

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

4 Comments

  1. Caro Cristiano
    Uma diferenciação entre conservador e reacionário pode ser esta: conservador é aquele que quer conservar o que aí está. Reacionário é aquele que não aceita o que está e quer voltar a um momento anterior que ele considera que era o melhor.
    Sobre pensar a mudança social não foi somente Marx que pensou a mudança social. Durkheim pensou e escreveu muito sobre este tema, principalmente a educação na França e Weber pensou não só como o capitalismo surgiu, como também como ele foi se transformando. A temática mudança social sempre esteve no universo de nossos clássicos, incluindo Simmel.

    • Nelson Tomazi, primeiramente agradeço pelo comentário, o que sempre enriquece e amplia as propostas de discussões. Quanto a diferença entre reacionário e conservador, lembro-me de Marx ao apresentar uma diferenciação próxima, embora sendo reacionário o que deseja não só manter a ordem estabelecida, como retornar no passado. Certamente o tema mudança sempre esteve em pauta nas Ciências Sociais, mas optei em evidenciar um ponto renegado: a presença de elementos conservadores e, diga-se de passagem, até reacionário, nas ciências sociais. Outro ponto que busquei chamar atenção é que temos, normalmente, posições diferentes para questões diferentes. Abraços.

  2. Só agora estou lendo este "post" em seu blog, mais fiquei curioso e sem entender direito, não no termo conservador, este é bem simples de se entender, mas no "reacionário", este também não se aplica a que estar em uma situação, quase sempre de dominância, e se falar em mudar reage na mesma hora? Caso seja, teríamos os "extremistas" hoje no Brasil, os de esquerda e os de direita?

Deixe uma resposta