/

Ser professor(a) de Sociologia: Saberes docentes

Ser professor(a) de Sociologia: saberes necessários à docência

Saberes docentes

Ser professor(a) de Sociologia: Saberes docentes

 

Cristiano das Neves Bodart[1]

Ensinar no âmbito da escola essa não é fácil e nem espontânea. Lecionar não é um dom, aprendemos tal prática por meio da profissionalização. Ela demanda alguns saberes docentes que são desenvolvidos ao longo de uma formação profissional que não se encerram dentro dos muros da universidade. Esses saberes necessários podem assim ser classificados: saber pedagógico, saber disciplinar, saber curricular, saber crítico-contextual e experiencial (BODART, 2021a).

A docência não é estática. Ela exige constantes aperfeiçoamentos, já que as sociedades são mutáveis e a ciência ensinada é dinâmica. É recomendável ao(à) professor(a) sempre se auto avaliar quanto a cada um dos saberes docentes e buscar aprimoramento constante e a ampliação de seu repertório de saberes necessários.

Investir na qualidade da atuação docente é investir em qualidade de vida, já que uma boa atuação profissional gera reconhecimento, valorização, bons momentos, melhoria nas relações estudante-docente, sentimento de realização, etc.

Neste texto, de forma breve, descrevo cada um dos saberes docentes visando rememorar os aspectos profissionais que devemos desenvolver para sermos bons(boas) professores(as). O texto se aplica aos(às) docentes em geral, porém exemplificaremos situações vinculadas ao(à) professor(a) de Sociologia escolar.

Já adianto: ser professor(a) de Sociologia não se limita a conhecer os conteúdos da disciplina – ao menos não deveria. Se assim fosse, qual seria a diferença entre um(a) licenciado(a) em um(a) bacharel(a) em Ciências Sociais?

Saberes necessários: Saber disciplinar docente

O saber disciplinar é o conhecimento que possuímos dos conteúdos (teorias, conceitos, categorias, metodologias e instrumentos metodológicos) da disciplina que lecionamos. Devemos realizar auto avaliações quanto ao domínio dos conhecimentos necessários ao ensino, que inclui conhecimentos da área de atuação. No caso da Sociologia escolar, os conhecimentos de Antropologia, Ciência Política e Sociologia. Em outros termos, precisamos nos perguntar: conheço relativamente bem as contribuições dos autores clássicos e contemporâneos de cada uma dessas áreas? Conheço relativamente bem a teoria weberiana? E a teoria do Ator-Rede? O que ainda não conheço ou conheço pouco? O que preciso ainda estudar? O que necessito atualizar? Essas são algumas das perguntas a serem feitas “diante do espelho”.

Dizem que conhecimento não se perde. Tenho minhas dúvidas quanto a isso. Quando deixamos a rotina de leitura, de escuta e de escrita, tendemos a regredir no nível de habilidades e conhecimento anteriormente adquiridos. Se isso é verdade, o(a) professor(a) deve ser colocar em formação contente. Somado a isso, precisamos considerar que as ciências estão em constante produção de novos conhecimentos e reavaliação dos saberes  já produzidos. No caso da Sociologia escolar essa constância é ainda maior por se tratar de uma disciplina que se volta aos fenômenos sociais do passado e do presente. Por isso, precisamos nos perguntar: quais são os novos fenômenos sociais? Quais antigos fenômenos sociais se mostram com novas “roupagens”? Como essas “novidades” vêm sendo estudadas? Quais os conhecimentos novos produzidos sobre tais fenômenos?

A tarefa de acessar e adquirir conhecimentos produzidos nas Ciências Sociais se soma à busca pela atualização dos novos saberes teóricos, conceituais, metodológicos e técnicos produzidos. Você conhece, por exemplo, o antigo SPSS? E o ActionStat? E o NVivo? E o ATLAS.TI? Conhece o NodeXL ou o Gephi? Caso não, são ferramentas para análises de dados (uns quantitativos e outros qualitativos) que podem ser apropriadas para a feitura de pesquisas, bem como para a prática de ensino, pois há programas simplificados que podem ser usados com os(as) estudantes do ensino médio. Lembre-se, por meio da Sociologia escolar os(as) estudantes podem (e devem) ter acesso aos saberes teóricos, conceituais, metodológicos e técnicos das Ciências Sociais e, para isso, o(a) professor(a) deve buscar estar em constante formação e se informando diariamente.

Saberes necessários: Saber pedagógico docente

O saber pedagógico diz respeito aos conhecimentos que possuímos referentes às teorias pedagógicas e ao campo da Didática. É o saber que permite o ensino adequado, sistematizado, eficiente e interessante. Envolve o conhecimento de teorias, métodos, técnicas e recursos voltados ao processo de ensino-aprendizagem. Podemos dividir esse saber em dois: o teórico-pedagógico e o didático. O primeiro relacionado às investigações e teorias da Pedagogia e o segundo envolvendo saberes metodológicos da prática docente.

É importante realizar auto avaliações no sentido de se perguntar: as formas como estou ensinando são adequadas, sistematizadas, eficientes e interessantes? Tenho conhecimento de um conjunto (um estoque) de estratégias didáticas para ensinar Sociologia? Sei realizar devidamente a transposição didática dos conteúdos das Ciências Sociais para serem compreendidos pelos(as) estudantes? Ou estaria eu apenas replicando formatos de aulas que tive durante a graduação? Quais ou qual teoria norteia minha prática docente? Sei ensinar aos(às) estudantes técnicas de pesquisas das Ciências Sociais de forma compreensível? Consigo produzir conteúdos e recursos adaptáveis à Sociologia escolar?

Uma aula que não está em diálogo com o perfil e o cotidiano dos(as) estudantes dificilmente será atrativa. De nada adianta conhecer bem teorias sociológicas se na transmissão desses conhecimentos não há interlocução com o mundo dos(as) discentes. É aqui que a transposição (ou recontextualiação) didática tem um papel importante e diferenciador entre o ensino escolar e o conhecimento científico. É o saber pedagógico que permite o(a) docente ensinar conhecimentos produzidos em outros tempos e espaço sem que se mostrem obsoletos, descontextualizados ou inúteis. Não entenda que estou afirmando que devemos nos limitar ao que é conhecido pelos(as) estudantes. Precisamos partir de seus saberes, ampliando seus horizontes (o que Paulo Freire denominou de inédito viável). Partir do cotidiano é um ponto de diálogo inicial com os(as) estudantes; fundamental para o engajamento discente.

Em geral, o saber pedagógico é desenvolvido durante a formação universitária. Contudo, precisamos continuar estudando e nos atualizando para além dos muros institucionais e retornando a eles sempre que possível. Há muitos conteúdos universitários que aprendemos melhor quando os revisitamos e após termos maior contato com a sala de aula e com a escola. É na prática docente que vemos a “utilidade” da Pedagogia e da Didática. Retornar aos bancos da universidade após termos experiências práticas nas escolas é uma ação enriquecedora.

Certamente você conhece pessoas que têm um bom conhecimento das Ciências Sociais, mas não sabem transmitir, evidenciando que possuir conhecimentos disciplinares não é suficiente para ser docente. Por isso, nem todo(a) cientista social é um(a) bom(boa) docente. Mas certamente um(a) bom(boa) professor(a) é um(a) qualificado(a) cientista social.

Saber curricular docente

O saber curricular corresponde aos conhecimentos das diretrizes, normas e currículos escolares, visando uma adequada prática de ensino de acordo com os objetivos e conteúdos do currículo e o seu público. Esse saber possibilita que os conteúdos, as estratégias e os recursos didáticos utilizados sejam adequados à cada faixa etária e etapa escolar dos(as) estudantes.

O saber curricular é fundamental para que as aulas de Sociologia não sejam réplicas das práticas docentes que presenciamos na graduação. Aquelas aulas tinham um público e objetivos bem diferentes das aulas para os(as) estudantes do ensino médio. Há uma diferença entre Sociologia e Sociologia escolar! Diferentemente de nossos(as) professores(as) do curso de Ciências Sociais, não formaremos sociólogos, antropólogos ou cientistas políticos. A Sociologia escolar visa contribuir para que os(as) estudantes desenvolvam uma percepção figuracional do mundo social (BODART, 2021b), contribuindo para a promoção de sua cidadania e ampliação de sua capacidade de agenciamento frente aos constrangimentos das estruturas sociais.

O saber pedagógico está relacionado diretamente ao saber curricular. A transposição didática e as definições didáticas dependem necessariamente do público alvo. Assim, conhecimentos curriculares orientam as ações pedagógicas e definem os conteúdos disciplinares. Imagine uma aula com conteúdos disciplinares muito bem recontextualizados para estudantes do ensino fundamental I sendo ministrada para estudantes do terceiro ano do ensino médio? Certamente os(as) estudantes irão considerar a aula infantilizada e nada interessante. Agora, imagine uma segunda situação: um conteúdo superficial sobre o tema comunidade sendo ensinado para esses mesmos estudantes do terceiro ano do ensino médio. Ou ainda, imagine uma análise teórica reticular, com suas nuances teóricas e conceituais, sendo ensinada em uma aula para o ensino fundamental I. Consegue perceber que abordagens e conteúdos devem ser considerados de acordo com o nível cognoscitivo dos(as) estudantes?

Outras questões importantes relacionadas ao saber disciplinar referem-se ao conhecimento dos objetivos da educação, da cultura escolar presente no currículo, do sistema seriado escolar e organização do tempo e do calendário da rede de ensino. Você sabe quais são os objetivos da Sociologia escolar? Sem esses conhecimentos o(a) professor(a) terá grandes dificuldades para conduzir suas aulas ao longo do ano e alcançar os objetivos propostos nas diretrizes curriculares, no projeto político pedagógico da escola, no currículo e nos planos de disciplina e de aula.

O saber curricular nos permite diferenciar os conhecimentos escolares dos conhecimentos não-escolares visando atender as demandas políticas e a partir das realidades educativas (YOUNG, 2007).

Saber crítico-contextual docente

O saber contextual é a competência de situar sua prática nos contextos sociais, culturais e políticos dos(as) estudantes e da escola de forma crítica. É a capacidade crítica do(a) docente de situar a escola, a educação, seus(suas) estudantes e a si mesmo no contexto sócio-histórico vivido (SAVIANI, 1996).

O(A) professor(a) deve indagar se tem feito de suas aulas um momento de reflexão crítica e de empoderamento dos(as) estudantes, capacitando-os viver em sociedade com consciência política. O saber crítico-contextual se materializa na capacidade de compreender os interesses de poder que envolvem a educação, o(a) professor(a), o currículo, a escola, os(as) estudantes e a sociedade, o que permite uma prática profissional crítica.

Espera-se do(a) docente uma compreensão crítica de seu papel social diante da importante tarefa de transmitir os conhecimentos produzidos pela ciência, bem como de se reconhecer enquanto agente social de mudança ou permanência das estruturas sociais vigentes.

O(A) professor(a) de Sociologia que teve uma boa formação teórica terá mais facilidade de se compreender como agente social no contexto da educação formal moderna. As teorias apreendidas acabem sendo sua caixa de ferramentas a ser acessado e mobilizado em diferentes contextos sócio-políticos que envolve a prática educativa.

Saber experiencial docente

O saber experiencial, como o termo anuncia, se refere a competência desenvolvida na experiência docente. Tal saber se desenvolve ao longo da carreira profissional. Cada momento novo experienciado na escola (especialmente na sala de aula) cria oportunidades para aprendermos a agir (ou não) de forma não prescrita na literatura sobre prática docente. São saberes que desenvolvemos na medida que a realidade se impõe diante de nós, exigindo posturas novas e inovadoras.

Os saberes experienciais docentes podem ser definidos da seguinte forma:

[..] conjunto de saberes atualizados, adquiridos e necessários no âmbito da prática da profissão docente e que não provém das instituições de formação e nem dos currículos. Esses saberes não se encontram sistematizados em doutrinas ou teorias” (TARDIF, 2014, p. 48-49).

Embora o saber experiencial seja destacado na literatura especializada como uma competência que o(a) docente desenvolve após sua formação universitária, tal saber vem sendo produzido cada vez mais – por sua importância – durante o curso de licenciatura, o que ocorre por meio dos estágios supervisionados.

Muito se diz que “na teoria é uma coisa, na prática é outra”. Essa frase é usada sempre que nos deparamos com situações em que não encontramos receituários nos “manuais de professores”. São nesses momentos que o(a) professor(a) é instado(a) a desenvolver novas práticas que farão parte de seu repertório de saber docente. Trata-se de um saber relacionado diretamente à prática docente e ao ambiente escolar.

A prática do ensino de Sociologia vai se aperfeiçoando na medida que vamos aplicando o que aprendemos na universidade, pois é nesse momento que teoria e prática se cruzam dando mais sentido à noção de praxis. Certamente é na praxis que se forjam professores(as) melhores.

Considerações finais

Apresentei, de forma sintética, os saberes necessários à prática docente. A despeito da forma sintética apresentada, são saberes complexos que vão se complexando na medida que os conhecemos e adquirimos. É comum acharmos que sabemos algo e ao buscar aprender mais sobre o assunto percebermos o quanto ainda precisamos aprender; quando o tema é complexo, é “batata”! Como destaca Tardif,

Todo saber implica um processo de aprendizagem e de formação; e, quanto mais desenvolvido, formalizado e sistematizado é um saber, como acontece com as ciências e os saberes contemporâneos, mais longo e complexo se torna o processo de aprendizagem, o qual, por sua vez, exige uma formalização e uma sistematização adequadas (TARDIF, 2014, p. 35).

Se deseja ser um(a) bom(boa) professor(a), não se furte de buscar desenvolver todos esses saberes necessários. A prática do ensino escolar não é tarefa simples e/ou fácil. É complexa, como são complexos os(as) estudantes, as escolas, os currículos, os conhecimentos disciplinares, as pedagogias e a didática.

Nos cursos de licenciatura em Ciências Sociais é comum o valor secundário dado aos saberes pedagógicos e curriculares, situação que desqualifica a formação docente. Os cursos devem formar ótimos cientistas sociais, mas não se pode privar de formar bons professores, o que exige criar condições para a promoção de todos os saberes docentes. O curso de licenciatura se diferencia do curso de grau bacharelado na medida que os saberes a serem promovidos não se limitam aos conteúdos disciplinares da área. Ser professor(a) de Sociologia é mais complexo do que imaginamos. Mas tenha calma, todos(as) têm suas limitações. Importa conhecê-las e buscar sua constante superação.

Referência

BODART, Cristiano das Neves. Usos de canções no ensino de Sociologia. Maceió: Editora Café com Sociologia, 2021a.

BODART, Cristiano das Neves. O ensino de Sociologia para além do estranhamento e da desnaturalização: por uma percepção figuracional da realidade social. Latitude, 14(Esp.), 139–160, 2021b.

SAVIANI, Demerval. Os saberes implicados na formação do educador. In: BICUDO, Maria Aparecida; SILVA JUNIOR, Celestino Alves (Orgs.). Formação do educador: dever do Estado, tarefa da Universidade. São Paulo: UNESP, 1996, p.39-50.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 17. ed. Petrópolis: Vozes, 2014.

YOUNG, Michael. Para que servem as escolas? Revista Educação e Sociedade. Campinas, vol. 08, n. 101, set/dez. 2007, p. 1287-1302

Como citar este texto:

BODART, Cristiano das Neves. Ser professor(a) de Sociologia: saberes necessários à docência. Blog Café com Sociologia, dez. 2022.

Nota

[1] Doutor em Sociologia (USP). Docente do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). E-mail: cristianobodart@gmail.com

 

Versão em PDF AQUI

 

 

 

 

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

Deixe uma resposta