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O que é anomia?

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Por Cristiano das Neves Bodart

A anomia social designa um estado de desregulação normativa na sociedade, no qual os vínculos e as diretrizes que orientam o comportamento dos indivíduos se encontram enfraquecidos ou ausentes. Essa condição produz sentimentos de desorientação e insegurança, pois, diante da falta de parâmetros coletivos, torna-se difícil estabelecer uma orientação comum para as ações individuais, fato que pode favorecer a emergência de comportamentos que se afastam das condutas socialmente esperadas.

O conceito de anomia

O conceito foi inicialmente explorado por Émile Durkheim, que, em sua obra clássica O Suicídio (1897), analisou como períodos de intensas transformações sociais podem abalar as normas tradicionais. Durkheim constatou que a fragilização dos laços e das diretrizes normativas pode levar a uma desorientação moral, aumentando a vulnerabilidade dos indivíduos a comportamentos autodestrutivos. Sua análise ressaltou a importância da integração e da regulação social para a manutenção da coesão em uma comunidade.

A ampliação do conceito de anomia

Posteriormente, Robert K. Merton ampliou essa perspectiva ao desenvolver a teoria da anomia no contexto da tensão entre os objetivos culturais e os meios institucionalizados para alcançá-los. Em seu artigo Social Structure and Anomie (1938), Merton argumentou que, quando uma sociedade impõe metas elevadas sem dispor de meios legítimos suficientes para que todos os seus membros as atinjam, cria-se uma discrepância que pode levar os indivíduos a adotarem estratégias alternativas, inclusive aquelas que se manifestam por meio de comportamentos desviantes. Essa abordagem evidencia as contradições estruturais presentes na organização social, reforçando a ideia de que a anomia é um fenômeno que emerge das próprias tensões e desafios inerentes à estrutura social. Nesse sentido, podemos pensar os assaltos praticamos por aqueles que avaliando que pelos meios legais não alcançarão certos produtos, acabam por cometer tal crime.

Interpretações contemporâneas de anomia

Nas sociedades contemporâneas, marcadas por processos de globalização, avanços tecnológicos e rápidas transformações econômicas e culturais, a noção de anomia social permanece como uma ferramenta analítica importante para a compreensão dos fenômenos atuais. As constantes mudanças podem contribuir para a fragilização dos sistemas normativos, afetando a coesão dos vínculos interpessoais e a eficácia das instituições responsáveis por manter a ordem coletiva. Estudos recentes demonstram que a anomia não se restringe a crises isoladas, mas configura-se como um aspecto estrutural que reflete os desafios contemporâneos para a integração social em meio a transformações contínuas.

Para Dahrendorf (1982) há crescentes problemas de anomia na sociedade contemporânea. Para ele, a anomia é entendida como um fenômeno ligado ao progresso da liberdade, o qual se concretiza na multiplicação das oportunidades de vida. Esse avanço possui dois elementos constitutivos gerando um dilema: de um lado, a ampliação da liberdade de escolha; de outro, a ruptura dos vínculos que anteriormente integravam os indivíduos à sociedade. Ele enfatiza que o advento da sociedade moderna significou uma expansão das oportunidades e liberdade de escolha ao preço de desatar as ligaduras existentes entre os indivíduos.

Dahrendorf (1985) sustenta que as disputas em torno do contrato social ocorrem concomitantemente a um processo inverso, no qual a sociedade avança inexoravelmente rumo à anomia. Esse fenômeno manifesta-se na erosão das estruturas normativas e da ordem, sendo evidenciado, sobretudo, pela atual incapacidade do Estado em assegurar a segurança dos cidadãos e proteger seus bens. Em ambientes marcados pela impunidade, a eficácia dessas normas torna-se comprometida, de forma que elas parecem desaparecer ou, quando invocadas, não produzem os efeitos esperados. Esse processo evidencia uma transformação da autoridade legítima em um exercício de poder arbitrário e cruel. A interpretação de Dahrendorf no permite pensar a tendência recente de ampliação de grupos que defendem que os cidadãos se armem para se proteger.

Dessa forma, compreender a anomia social por meio das contribuições teóricas de Durkheim, Merton e Dahrendorf permite identificar os mecanismos pelos quais a desregulação normativa pode favorecer tanto a emergência de comportamentos desviantes quanto a fragmentação dos laços comunitários. Tal entendimento é fundamental para a análise dos conflitos e das tensões que permeiam as sociedades modernas, fornecendo subsídios para o desenvolvimento de estratégias que promovam a coesão e a integração social.

 

Referências Bibliográficas

DAHRENDORF, Ralph. Sociedade e liberdade. Coleção Pensamento Político, 16. Brasília, UnB, 1981.

DAHRENDORF, Ralph. Law and Order. London, Stevens & Sons, 1985.

DURKHEIM, Émile. O Suicídio: estudo de Sociologia (edição reeditada; obra original publicada em 1897). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor, 2008.

MERTON, Robert K. (1938). Social Structure and Anomie. American Sociological Review, 3(5), 672-682.

Atividade

1) Apresentar um caso real ou hipotético que exemplifique a fragilização dos vínculos sociais e a emergência de comportamentos desviantes (por exemplo, episódios de violência urbana ou instabilidade social).

a)Organizar os alunos em pequenos grupos para discutir o estudo de caso, aplicando as o conceito de anomia para explicar ocaso.

b) Incentivar a identificação dos mecanismos de anomia presentes no caso e a discussão sobre as tensões entre liberdade e desregulação normativa.

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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