original

Família(s), alteridade e etnocentrismo

Etnocentrimo 
Cristiano bodart perfil
Cristiano Bodart, doutor em Sociologia pela USP. Professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal)

Tenho notado que o tema família vem sendo recorrente na sociedade atual; quase sempre os discursos envolvem etnocentrismo.

Antes de mais nada, tenho notado que o tema família vem sendo recorrente na sociedade atual; quase sempre os discursos envolvem ideologias. Grosso modo, vemos dois polos opostos: os que dizem defender uma ideia de família tradicional e; os progressista. É claro que há uma multiplicidade de variações discursivas, no entanto, duas se destacam por estarem mais presentes na grande mídia e nas redes sociais.

 
Nesses discursos quase sempre falta alteridade e sobra etnocentrismo. Isso de ambos os lados.
É justamente os conceitos de alteridade e de etnocentrismo que nos ajudam a compreender esse embate ideológico e nos possibilitar caminhar rumo a uma sociedade melhor, uma coexistência respeitosa.
 

Os discursos

Em síntese, os dois discursos temos algo próxima a:
 
Defesa da família tradicional, a qual vai do discurso religioso ao “moralista” = “devemos preservar a família como Deus criou”; “Família só se constitui com reprodutores (homem + mulher)”; Sem um parâmetro de pai e mãe a criança fica desorientada”.
 
Defesa de novos modelos de família, que vai desde o discurso progressista, passando pelas liberdades individuais e indo ao discurso “militante” = “Família é um grupo primário de afeto, independente de gênero”; “Família não necessariamente precisa ter função reprodutora, mas acolhedora”; quem determina a constituição de uma família deve ser os indivíduos livres e não a sociedade e sua tradição”.
 
Assim, de um lado grupos que defendem a manutenção da “tradição ocidental cristã” e de outro os que buscam reformulações das regras e valores sociais que hoje estão estabelecidos. O problema está no fato de que muitos acreditam que um aniquila o outro. Tal problema tem entrado no campo político institucional. Um exemplo disso foi uma enquete criada pela Câmara dos Deputados para averiguar a opinião dos cidadãos manifestantes na enquete (como se isso competisse ao Estado) e a PL – 6583/2013 (ver aqui) que “dispõe sobre o Estatuto da Família e dá outras providências”. Enfim, além das discussões nas redes sociais e na vida cotidiana, tal “embate” tem sido objeto de discussões institucionais igualmente marcadas por etnocentrismo.
 

A alteridade

A alteridade passa pela aceitação do outro, o que em meio a discursos e posturas militantes tende a não acorrer. Alteridade implica em coexistência respeitosa, em aceitação do outro, do diferente.
 
Um problema notório está na “confusão” entre aceitar e concordar. Vejamos: eu posso aceitar algo e não concordar com ele. O que chamo de aceitação demanda respeito e coexistência. Concordar passa pelo consenso, pelo comum acordo, o que acredito ser impossível em muitos casos e temas e nem por isso devemos nos confrontar (sobretudo de forma etnocêntrica) em cada um deles.
 
Para que não sejamos etnocêntricos, julgando o comportamento cultural dos demais a partir de nossos valores e crenças, é necessário diferenciar o “aceitar” de “concordar”. Uma mãe, por exemplo, pode aceitar que seu filho faça uma determinado curso superior, mas não concordar, sem contudo deixar de respeitar a escolha dele.
 
Assim, sem aceitação não há concórdia, mas é possível aceitar, sem contudo, abrir mão de seus valores e crenças.

O que realmente importa

O importante é praticar o respeito e a coexistência pacífica, tendo ciência que não somos iguais e temos o direito de pensar diferente, mas não de atacar e desrespeitar tais diferenças ou os diferentes.

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

Deixe uma resposta

Categorias

História do Café com Sociologia

O blog foi criado por Cristiano Bodart em 27 de fevereiro de 2009. Inicialmente tratava-se de uma espécie de “espaço virtual” para guardar materiais de suas aulas. Na ocasião lecionava em uma escola de ensino público no Estado do Espírito Santo. Em 2012 o Roniel Sampaio Silva, na ocasião do seu ingresso no Instituto Federal, tornou-se administrador do blog e desde então o projeto é mantido pela dupla.

O blog é uma das referências na temática de ensino de Sociologia, sendo acessado também por leitores de outras áreas. Há vários materiais didáticos disponíveis: textos, provas, dinâmicas, podcasts, vídeos, dicas de filme e muito mais.

Em 2019 o blog já havia alcançado a marca de 9 milhões de acessos.

O trabalho do blog foi premiado e reconhecido na 7º Edição do Prêmio Professores do Brasil e conta atualmente com milhares de seguidores nas redes sociais e leitores assíduos.

Seguimos no objetivo de apresentar aos leitores um conteúdo qualificado, tornando os conhecimentos das Ciências Sociais mais acessíveis.

Direitos autorais

Atribuição-SemDerivações
CC BY-ND
Você pode reproduzir nossos textos de forma não-comercial desde que sejam citados os créditos.
® Café com Sociologia é nossa marca registrada no INPI. Não utilize sem autorização dos editores.

Captura de Tela 2018 04 19 às 10.20.16
Previous Story

O delírio do ataque ao ensino de Sociologia e Filosofia

desigualdade social
Next Story

Conceito e tipos de mobilidade social

Latest from Conceitos Sociológicos

O que é Uberização do Trabalho?

O que é Uberização do Trabalho?

Por Agenor Florêncio Baixe a versão em PDF AQUI Contextualizando A uberização do trabalho é resultado de uma interseção dos avanços tecnológicos e das
Go toTop

Don't Miss