Explorando o conceito “lugar de fala” na aula de Sociologia por meio de canção
Por Cristiano das Neves Bodart[1]
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Tenho dado uma maior atenção à canção como um artefato cultural a ser utilizado na escola, mais especificamente nas aulas de Sociologia. Recentemente publiquei a obra “Usos de canções no ensino de Sociologia” e ministrei um minicurso homônimo (veja os slides AQUI). Neste post trago uma sugestão de aula utilizando a música “Lugar de Fala”, de Mombaça, cujo objetivo é criar um espaço para refletir sobre o conceito “Lugar de fala” e criar uma situação favorável a inclusão de estudantes que se sentem silenciados.
Conteúdo: Lugar de fala
Público: estudantes do ensino médio
Duração: 1 aula de 50 minutos
Competências Gerais: 1, 3, 6 e 10
Competências Específicas de C. H.S: 1, 5 e 6
Habilidades: EM13CHS101, EM13CHS104, EM13CHS502; EM13CHS503, EM13CHS504 e EM13CHS603.
Objetivos em diálogo com as competências e habilidades:
- Discutir processos sociais de exclusão;
- Compreender o que é lugar de fala;
- Refletir sobre o silenciamento e seus impactos;
- Perceber as falas como práticas marcadas por poder;
- Proporcionar um espaço mais igualitário em relação a fala.
Questões introdutórias
O conceito “lugar de fala” demanda abandonar a visão hierárquica que rotula os saberes como válidos, inválidos, mais importantes, menos importantes, verdadeiros, mitos, etc. Exige, da mesma maneira, se distanciar da idade de que uns têm conhecimentos e outros não. Por fim, demanda reconhecer que não existe neutralidade epistemológica e, por isso, toda fala está situada em um lugar social. Não romper com essas questões reproduz as condições necessárias para o silenciamento de que nunca teve voz e vez.
Para entender as vozes, é necessário compreender o lugar social de onde se origina a fala. O grande desafio é que muitas vezes não as ouvimos por estarem silenciadas, seja por falta de espaço propiciado a esses sujeitos, seja pela incorporação do silêncio ou da voz de outrem.
O lugar social não determina uma consciência social, dificultando leituras de lugares de fala. Isso não significa que as experiências sociais, produtos das estruturas sociais desse mesmo lugar, não esteja sendo incorporadas e deixando marcas psicossociais profundas.
A aula de Sociologia deve ser um momento de problematizar possibilidade de rompimento das condições sociais que geram opressões e que criam os(as) subalternos(as) e esquecidos(as). Trazer para a aula vozes silenciadas em outros espaços é uma prática docente importante; sendo um ato político que visa contribuir para a igualdade entre os agentes sociais.
Olhar para as estruturas sociais e para os corpos em contextos de silenciamentos é fundamental para compreender as opressões que sofrem os grupos sociais silenciados. Muitos desses grupos usam a música como forma de expressar suas condições sociais e seu desejo de ter voz e vez. A música “Lugar de Fala”, de Mombaça, é um bom exemplo.
Usando a música…
Recomendo iniciar a aula explicando o processo histórico de exclusão social que sofrem a população negra brasileira. Recomendo ao(à) docente a obra de Djamila Ribeiro, Lugar de Fala”, como referência para embasar a aula.
Ao apresentar o conceito “lugar de fala”, explore a necessidade de compreender que todos têm lugar de fala e que isso significa dizer que as pessoas falam a partir de suas realidades sociais e influenciadas a interpretar o mundo social a partir de suas experiências pessoais e coletivas.
Usando a canção “Lugar de Fala”, de Mombaça, explore a necessidade de garantir aos(às) negros(as) autonomia para falar, já que durante toda a história foi o banco quem falou do(e pelo) negro. Embora muitos brancos, como fez, por exemplo, Florestan Fernandes, tenham contribuído para a compreensão das condições sociais do(a) negro(a) – o que é uma forma importante de denúncia –, é importante não silenciar os(as) negros, pois há experiências sociais que apenas eles vivem e podem relatar ou criticar. O homem heterossexual branco pode falar da mulher negra? Pode! Mas nunca representá-la. Se assim for, estará reproduzindo a ideia de que a mulher negra precisa ser tutelada e lhe retirando o direto de fala.
Segue trecho da música:
“Lugar de Fala”, de Mombaça.
Não quero saber de outra no nosso lugar de fala
Mulher preta no poder pra poder poder
Não pisa na minha grama, não levanta minha saia
Mulher preta no poder pra poder poder
Se não tem a pele preta em matriz
Não me representas
Se não tem cabelo crespo em raiz
Não me representa
Se não tem meus olhos, meus dentes, meus lábios carnudos não sabe o que diz
Nem meu nariz, não me representa
Debaixo do meu nariz não me representa […]
Após ouvir a canção, promova uma roda de conversa com os(as) estudantes abrindo espaço para estudantes que se sentem silenciados falem sobre o tema e como experienciam as situações de silenciamento. Dê prioridade para estudantes com lugares de fala historicamente subalternizados ou silenciados.
Avaliação
Embora seja a proposta principal da aula ampliar a consciência dos(as) estudante quanto a importância do lugar de fala e da igualdade de espaços de fala, é possível tomar a roda de conversa para avaliar se eles(as) compreenderam os principais aspectos tratados na aula.
Recursos utilizados
Projetor e caixa de som.
Referências bibliográficas
BODART, Cristiano das Neves. Usos de canções do ensino de Sociologia. Maceió: Editora Café com Sociologia, 2021.
RIBEIRO, Djamila. Lugar de fala. São Paulo: Polén, 2019.
Como citar este texto:
BODART, Cristiano das Neves. Lugar de fala: ensinando Sociologia com músicas. Blog Café com Sociologia. abr. 2022.
Nota:
[1] Doutor em Sociologia (USP). Docente do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). E-mail: cristianobodart@gmail.com
E uma ótima ideia, e uma boa manifestação sobre a sociologia, pois o mundo precisa conhecer a sociologia e seu significado, suas reflexões e criticidade sobre o mundo.parabens pela iniciativa.