Nota da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) sobre pesquisa

Sociedade Brasileira de Sociologia
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Nota da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) sobre a notícia da pesquisa que relaciona a piora do desempenho de estudantes no ENEM em matemática com a obrigatoriedade do ensino de sociologia e filosofia no Ensino Médio. 

Sociedade Brasileira de Sociologia

A Folha de São Paulo veiculou uma notícia, dia 16 de abril de 2018, acerca de uma pesquisa a respeito do desempenho de estudantes em matemática no Exame Nacional do Ensino Médio-ENEM, comparando períodos divididos segundo o critério de implantação da lei que obrigava o ensino de Filosofia e de Sociologia nas três séries/etapas do Ensino Médio (2008). A única variável apresentada pela reportagem baseada na referida pesquisa é como foi o desempenho dos estudantes em matemática e outros componentes curriculares antes e depois de 2012. Segundo o jornal os autores da pesquisa são os economistas, Thais Waideman Niquito e Adolfo Sachsida, e a mesma será publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). O título da matéria já adianta uma possível correlação, mas de forma conclusiva, “Filosofia e sociologia obrigatórias derrubam notas em matemática”.  Uma correlação que poderia ser apresentada como hipótese a ser explorada, aprofundada em pesquisas qualitativas. As correlações a partir de dados de desempenho em larga escala servem muito mais para levantar problemas e hipóteses do que conclusões, uma vez que os dados existentes não permitem afirmações e conclusões para além do que eles dizem. Nesse caso, da correlação entre desempenho em matemática e obrigatoriedade do ensino de filosofia e sociologia, ficaram de fora correlações fundamentais, como: as condições das escolas, o número de aulas de cada componente curricular (disciplinas) desde o Ensino Fundamental, o número de aulas de matemática, de sociologia, de filosofia antes e depois da referida lei, a formação de professores de matemática, a quantidade de professores (suficiente/insuficiente/falta ou não de professores), as redes e as mantenedoras, privadas, públicas, municipais, federais e estaduais, os programas de ajuda a permanência dos estudantes nas escolas, o número de participantes do ENEM nesses períodos (se era o mesmo em 2009, 2012, 2014), entre outros.

 

Como nós da Sociedade Brasileira de Sociologia não tivemos acesso à pesquisa na íntegra, pode ser que os pesquisadores tenham explicado isso e outros fatores correlatos no relatório. Nesse caso a reportagem da Folha de São Paulo é falha porque não mostra os detalhes da pesquisa. No caso da investigação não ter dado conta das outras variáveis temos um problema grave de manipulação de cortes, períodos, variáveis e métodos de análise que recortam dados que visam corroborar com suas posições na disputa do currículo, sacrificando o rigor da investigação e negligenciando o limite dos dados analisados.  Um dado importante sobre o ENEM é a sua não obrigatoriedade, ou seja, os estudantes decidem se prestarão ou não esse exame que foi modificando seus objetivos desde sua criação em 1998. Inicialmente, tinha o objetivo de avaliar o Ensino Médio, mas não de maneira censitária ou obrigando os estudantes a realizarem as provas. A adesão ao exame foi crescendo, começou com 157 mil inscritos, em 1998 alcançando 1,6 milhão em 2001. Em 2004, ocorreu uma importante mudança, quando o Governo Federal atrelou a concessão de bolsas do Programa Universidade Para Todos (PROUNI) à realização do ENEM. Em 2009, uma importante mudança na estrutura das provas foi realizada. As provas que eram feitas em um dia, com 63 questões interdisciplinares, passou a ser elaborada em quatro áreas de conhecimentos, sendo aplicado em dois dias. Cada dia com provas de 90 questões.  Note-se que essas mudanças podem ter afetado o desempenho dos estudantes, basta pensarmos no formato. O que significa responder 63 questões em um dia e 180 questões, divididas em 90 para cada dia de prova?  Outro dado importante é que essa prova passou a ser aceita como exame de acesso de ingresso nas universidades federais, privadas e algumas estaduais. Aumentando o número de inscritos e de realizadores do ENEM, que atingiu seu ápice em 2014, com 8.721.946 inscrições confirmadas. Como ignorar tal fato? O número crescente de realizadores do Exame? A diversificação dos estudantes e das escolas no Brasil? A mudança da estrutura da prova? Os estudos sobre o ensino de matemática no Brasil?  Quanto cresceu a adesão dos estudantes das escolas analisadas na referida pesquisa ao ENEM, de 2009 a 2012? Aumentou ou diminuiu?  Interrogamos os pesquisadores citados e a própria reportagem da Folha de São Paulo sobre a ausência desses dados tão importantes para pensarmos os resultados de desempenho dos estudantes ao longo desse período e como tudo isso pode ajudar a levantar hipóteses sobre o desempenho nas provas das áreas de conhecimento, sendo a matemática uma área e um componente, diferente das outras áreas que agrupam mais de um componente curricular, como Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Linguagens e Códigos.  Quais foram os critérios e as justificativas para isolar dois componentes curriculares da área de ciências humanas e correlacionar com o único componente curricular da área de matemática? Foi pesquisado o número de aulas de cada componente curricular nas escolas? Foi feita alguma pesquisa qualitativa de aferição da hipótese levantada a partir dos dados do ENEM? Como validar o critério “Obrigatoriedade das disciplinas Filosofia e Sociologia” para diminuição ou piora do desempenho em matemática de estudantes de escolas com baixo IDEB sem correlacionar com outras variáveis como os dados do próprio IDEB dessas escolas? Condições das escolas? Formação dos professores do componente em questão, matemática? Quantidade de aulas semanais de cada componente curricular comparado? Escolaridade dos pais dos estudantes? Se os estudantes são trabalhadores? Se precisam conciliar trabalho e escola? Sem o teste da hipótese nula, instrumento aplicado nas pesquisas que correlacionam variáveis, como apresentar uma correlação exploratória de forma conclusiva, ou, como conclusão? Esse tipo de comportamento limitador da objetividade da pesquisa demonstra pouco apreço aos critérios da matemática e da estatística como áreas de conhecimento e desrespeito à ciência sociologia. Demonstra, ainda, pouco respeito ao campo da sociologia e da filosofia do currículo que tem acúmulo de conhecimento sobre a organização do ensino nas escolas e sobre os exames em larga escala. Ressaltamos que há pesquisas sobre o ensino de sociologia que demonstram a relevância dos conhecimentos dessa ciência na formação dos estudantes e de suas contribuições para a consolidação de conceitos de outras disciplinas/componentes curriculares. Há no campo do ensino da sociologia, da filosofia e da própria matemática estudos, pesquisas e reflexões que também foram ignorados para a relação estabelecida entre desempenho em uma disciplina por influência de outras disciplinas.  Lamentamos esse tipo de reportagem e aguardaremos a publicação da pesquisa na íntegra, para continuarmos o diálogo e não cometermos injustiças com os economistas apontados como responsáveis pela investigação no âmbito do IPEA.

 

 

Comitê de Ensino Médio da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS).

16 de abril de 2018

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

9 Comments

  1. Conforme os dados que constam na própria notícia divulgada pela Folha, os jornalistas poderiam ter colocado como título: Humanas e Português melhoram com inclusão da Filosofia e Sociologia no Ensino Médio. Mas não, eles preferiram o caminho inverso, ressaltando o dado negativo que, conforme vocês mesmo falam na análise, não tem correlação por ser de uma outra área. É difícil entender nesse contexto quem está manipulando os dados de forma equivocada, se foram os pesquisadores ou os que divulgaram a notícia. O que se pressupõe é que nada é gratuito, certamente existem intenções de privar este tipo de conhecimento (crítico) da grande massa da população estudante.

    • Perfeito! Esses energúmenos não tem o que fazer eu busca dificultar, cada vez mais, o desenvolvimento da educação no Brasil.

    • “Não poupem o Adolfo”
      Sério? Nem saiu a pesquisa ainda e você já quer que as pessoas saiam criticando o pesquisador só por causa de uma matéria e porque PODE SER que ele conclua a mesma coisa que o jornal?
      Não sabemos a metodologia utilizada, a conclusão… e se ele não concluir a mesma coisa que o jornal? Seria justo “não poupá-lo”?

      • Olá André, entramos em contato com um dos autores e eles confirmaram as informações da reportagem.

  2. Precisa-se fazer alguma coisa…cade os grandes intelectuais da sociologia e filosofia que não se manisfesta. `recisamos nos impor sobre essa barbarie que estão querendo realisar na educação brasileira.

  3. Cristiano, como você afirma que o estudo não analisou nada do que foi dito, se ele nem foi publicado? Não sabemos a metodologia utilizada, as técnicas, nada. Apenas um resumo dado por um jornal que comumente apresenta matérias enviesadas. Não dá para culpar o estudo, ainda.

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