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  • Socialismo Cubano

    O socialismo cubano constitui um dos experimentos sociopolíticos mais duradouros e emblemáticos do século XX e XXI na América Latina. Desde a Revolução de 1959, liderada por Fidel Castro e Ernesto Che Guevara, Cuba consolidou um modelo de organização social que rompeu com os paradigmas capitalistas predominantes no continente, desafiando a hegemonia estadunidense na região.

    Fundamentos Teóricos do Socialismo Cubano

    O socialismo cubano está profundamente enraizado no marxismo-leninismo, adaptado às condições históricas e culturais específicas da ilha caribenha. A teoria marxista do conflito de classes fundamenta a luta contra o imperialismo e a exploração capitalista, servindo de base para as reformas estruturais realizadas após a revolução. O modelo cubano, no entanto, incorpora também elementos do nacionalismo revolucionário e da pedagogia política popular, distanciando-se de formas dogmáticas de socialismo soviético.

    Autores como Florestan Fernandes (1981) e Theotonio dos Santos (1978) destacam que o socialismo latino-americano deve ser analisado a partir de suas condições de dependência estrutural. Em Cuba, o socialismo emergiu não apenas como modelo econômico, mas como movimento social e cultural voltado à soberania nacional e à emancipação dos setores historicamente marginalizados, especialmente camponeses e trabalhadores urbanos.

    A Revolução de 1959 e a Consolidação do Regime

    A revolução cubana foi fruto de um amplo movimento social insurgente, articulado com base na insatisfação popular frente à ditadura de Fulgencio Batista e ao domínio neocolonial dos Estados Unidos. Após a vitória dos revolucionários em 1º de janeiro de 1959, iniciou-se um processo de nacionalização da economia, reforma agrária, campanhas de alfabetização e ampliação dos serviços públicos.

    Conforme Gohn (1997), os movimentos sociais revolucionários possuem capacidade de reorganizar a estrutura política de uma sociedade ao promoverem rupturas com o sistema vigente. A mobilização em Cuba extrapolou a esfera política, atingindo dimensões culturais, educativas e sanitárias. A universalização do ensino e da saúde é apontada como uma das principais conquistas do regime socialista cubano.

    A Revolução Cubana: História e Transformações

    A Revolução Cubana constitui um dos eventos mais emblemáticos da história contemporânea da América Latina. Ela não apenas mudou radicalmente a estrutura política, econômica e social de Cuba, como também impactou as relações internacionais durante a Guerra Fria e inspirou movimentos sociais e revolucionários ao redor do mundo. A seguir, apresentamos um panorama analítico da trajetória revolucionária cubana, desde os fatores que antecederam a insurreição armada até sua consolidação como projeto socialista.

    Durante a primeira metade do século XX, Cuba esteve marcada por forte dependência econômica dos Estados Unidos e por regimes políticos autoritários. A monocultura da cana-de-açúcar e o turismo voltado ao público estadunidense consolidaram uma economia extrativista e desigual, beneficiando grandes proprietários de terras e corporações estrangeiras, enquanto a maioria da população vivia na pobreza.

    O golpe militar de Fulgencio Batista, em 1952, agravou a instabilidade política e eliminou os canais democráticos de oposição. Com apoio dos Estados Unidos, Batista instalou uma ditadura que perseguia opositores, reprimia a imprensa livre e favorecia a elite econômica local e internacional. Esse ambiente tornou-se propício para o surgimento de movimentos de resistência armada e de contestação política, especialmente entre jovens universitários e setores populares urbanos e rurais.

    O marco inicial da revolução armada foi o ataque ao Quartel Moncada, em Santiago de Cuba, no dia 26 de julho de 1953. Liderado por Fidel Castro e um grupo de cerca de 160 combatentes, o ataque fracassou militarmente, resultando na prisão ou morte da maioria dos participantes. No entanto, esse episódio teve enorme repercussão simbólica. No julgamento, Fidel Castro proferiu sua famosa defesa intitulada “A História me Absolverá”, que viria a se tornar um manifesto do futuro programa revolucionário cubano.

    Após serem anistiados, em 1955, Fidel e seu irmão Raúl exilaram-se no México, onde conheceram Ernesto “Che” Guevara, médico argentino que se uniria à causa revolucionária. Juntos, organizaram o Movimento 26 de Julho (M-26-7), que se consolidaria como a principal força guerrilheira na luta contra Batista.

    Em dezembro de 1956, os revolucionários desembarcaram em Cuba a bordo do iate Granma, com o objetivo de iniciar uma insurreição armada no interior da ilha. Após perdas iniciais, um grupo remanescente de combatentes se refugiou na região montanhosa da Sierra Maestra, onde estabeleceram uma base guerrilheira e começaram a ganhar apoio popular, especialmente entre camponeses explorados pelo latifúndio.

    A partir de táticas de guerra de guerrilha e de uma atuação política junto à população local, o M-26-7 foi ampliando sua influência. As forças revolucionárias combinaram ações militares com programas de alfabetização, reforma agrária local e produção de material de propaganda. Ao mesmo tempo, movimentos urbanos organizavam greves e atos de sabotagem ao regime de Batista, criando uma frente ampla de resistência ao regime.

    A partir de 1958, a situação militar e política começou a pender para o lado dos revolucionários. Com o aumento da pressão popular e a perda de apoio interno e externo, Batista fugiu do país em 1º de janeiro de 1959. No mesmo dia, as tropas comandadas por Fidel Castro marcharam para Havana, consolidando a vitória da Revolução.

    Diferentemente de outras revoluções armadas, a cubana não enfrentou resistência significativa na tomada da capital, em grande parte devido ao colapso do regime de Batista e ao apoio popular que o movimento havia conquistado. Assim, iniciou-se um novo ciclo histórico na ilha, marcado pela reconfiguração profunda das estruturas de poder.

    Após assumir o poder, o novo governo revolucionário implementou uma série de reformas profundas. A reforma agrária expropriou grandes latifúndios e redistribuiu terras a camponeses. Empresas estrangeiras, principalmente estadunidenses, foram nacionalizadas. Houve também um amplo programa de alfabetização e a ampliação dos serviços públicos de saúde e educação.

    Essas medidas levaram ao rompimento das relações diplomáticas com os Estados Unidos em 1961 e ao início de um bloqueio econômico que persiste até hoje. Em resposta, Cuba aproximou-se da União Soviética, assumindo publicamente o socialismo como modelo político-econômico. Essa declaração ocorreu no contexto da invasão da Baía dos Porcos, tentativa frustrada dos EUA de derrubar o governo revolucionário com o apoio de exilados cubanos.

    Ao longo da década de 1960, o governo cubano consolidou o Partido Comunista de Cuba como único partido político legal e organizou o Estado segundo os princípios do centralismo democrático. O país tornou-se aliado estratégico da URSS, recebendo apoio financeiro, tecnológico e militar.

    Internamente, a revolução buscou consolidar uma cultura socialista, promovendo campanhas de moral socialista, coletivização da produção agrícola, nacionalização de todos os meios de produção e a criação de mecanismos de participação popular por meio de Comitês de Defesa da Revolução (CDRs).

    No campo internacional, Cuba passou a desempenhar um papel ativo na promoção da revolução em países do Terceiro Mundo, enviando tropas e médicos a países da África e América Latina em apoio a movimentos anticoloniais e socialistas.

    O Papel da Educação e da Cultura na Transformação Social

    A sociologia crítica enfatiza o papel da educação como instrumento de transformação social. Em Cuba, a educação tornou-se prioridade estatal, sendo estruturada segundo os princípios da pedagogia revolucionária. A campanha de alfabetização de 1961 foi um marco histórico, resultando na erradicação quase total do analfabetismo em poucos meses.

    A cultura, por sua vez, foi concebida como frente de resistência simbólica ao imperialismo. A política cultural cubana incentivou a produção literária e artística comprometida com a revolução. A institucionalização de centros como a Casa de las Américas demonstra o compromisso do regime com a difusão de valores socialistas.

    Contradições e Desafios Internos

    Apesar dos avanços, o socialismo cubano enfrentou (e enfrenta) severas contradições. A centralização do poder político, a repressão a dissidências e a limitação das liberdades individuais são apontadas como obstáculos à democracia socialista. Além disso, a dependência econômica da URSS nos anos da Guerra Fria deixou a ilha vulnerável após a dissolução do bloco soviético.

    Segundo Bobbio (1987), a democracia deve ser entendida não apenas como regime eleitoral, mas como estrutura pluralista que assegura direitos civis, políticos e sociais. A ausência de multipartidarismo e a censura à imprensa desafiam esse ideal. Por outro lado, sociólogos como Emir Sader (2001) argumentam que o modelo cubano precisa ser analisado dentro de seu contexto de cerco econômico e geopolítico.

    O Período Especial e a Reinvenção do Modelo

    A década de 1990 marcou um ponto de inflexão com a queda da União Soviética. O “Período Especial” impôs severas restrições econômicas e obrigou o regime a realizar reformas controladas, como a abertura ao turismo, legalização de remessas e o incentivo à pequena iniciativa privada. Ainda assim, o Estado manteve o controle dos setores estratégicos.

    O processo de atualização do modelo socialista, iniciado com Raúl Castro, buscou preservar os pilares do socialismo — igualdade, saúde, educação — ao mesmo tempo em que incorporou práticas econômicas de mercado. A sociologia dos regimes híbridos, conforme Norbert Lechner (1990), ajuda a entender como sociedades podem combinar elementos autoritários e democráticos, estatais e de mercado, sem aderirem plenamente a um modelo único.

    Novos Movimentos Sociais e Expressões Contemporâneas

    Com o advento das redes sociais e o aumento do acesso à internet, novas formas de mobilização e dissidência têm emergido em Cuba. Jovens artistas, intelectuais e coletivos independentes expressam críticas ao regime por meio de performances, música e intervenções digitais. Essas manifestações podem ser compreendidas à luz dos novos movimentos sociais descritos por Touraine (1994) e Melucci (1996), que destacam a centralidade das identidades culturais e simbólicas na ação coletiva contemporânea.

    As recentes mobilizações como o movimento San Isidro ou os protestos de julho de 2021 revelam um novo ciclo de conflitos sociais. Ainda que repressivos em sua reação estatal, esses episódios indicam tensões latentes entre o projeto socialista tradicional e as demandas por maior participação política e liberdade de expressão.

    Considerações finais

    O socialismo cubano representa uma experiência singular de resistência, construção nacional e tentativa de superação do capitalismo em um país periférico. A análise sociológica permite compreender seus êxitos, limites e contradições sem incorrer em reducionismos ideológicos. Trata-se de um modelo em constante reinvenção, atravessado por desafios internos e pressões externas, cuja trajetória desafia os paradigmas clássicos do desenvolvimento e da democracia.

    Ao analisar o socialismo cubano, é imprescindível considerar tanto suas conquistas sociais quanto suas fragilidades institucionais, reconhecendo que modelos alternativos ao capitalismo não são homogêneos nem estáticos, mas frutos de lutas, mediações e disputas simbólicas em contextos históricos específicos.

  • Texto sobre meio ambiente

    Os índios Duwamish habitavam a região onde hoje se encontra o Estado americano Washington – no extremo Noroeste dos Estados Unidos, divisa com o Canadá, logo acima dos Estados de Montana, Idaho e Oregon. No passado era um “paraíso na Terra”, região inspiradora de uma das mais lindas ‘poesias’ dedicadas à natureza – o discurso que o Chefe indígena Duwamish (Chefe Seattle) fez ao Governo Americano na época -, hoje, ainda sendo bela, mas não mais um ‘paraíso’, sua cidade mais famosa é Seattle (nome dado em homenagem ao Chefe), uma beleza de outro tipo que infelizmente vem gerando graves problemas ecológicos. Os índios migraram pelo Puget Sound para a Reserva Port Madison. O Chefe Seattle e sua filha estão enterrados lá.

    Existem muitas controvérsias sobre o conteúdo original do discurso. O primeiro registro escrito que se conhece foi feito no jornal Seattle Sunday Star em 1887 pelo Dr. Henry Smith, que estava presente no pronunciamento — ele publicou suas próprias anotações com comentários sobre o Grande Chefe, que, segundo ele, era uma pessoa profundamente impressionante e carismática. Nos anos 70 (1970) foram divulgadas várias versões deste discurso em conexão com movimentos ecológicos e a favor da preservação da natureza; o discurso ficou muito conhecido, quase mitificado, ficando de lado as discussões sobre sua originalidade.

    Aqui, após a tradução portuguesa de uma das mais famosas versões da década de 70, transcrevemos a publicação americana original do Dr. Henry Smith — 1887. A foto do Grande Chefe Seattle (1787–1866), abaixo, é de E.M. Sammis e o original encontra-se na: “University of Washington Special Collection #NA 1511”.

    Discurso feito pelo Chefe Seattle ao Presidente Franklin Pierce em 1854
    (depois do Governo Americano ter dado a entender que desejava adquirir o Território da Tribo)

    O grande chefe de Washington mandou dizer que desejava comprar a nossa terra, o grande chefe assegurou-nos também de sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não precisa de nossa amizade.

    Vamos, porém, pensar em sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará nossa terra. O grande chefe de Washington pode confiar no que o Chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na alteração das estações do ano.

    Minha palavra é como as estrelas — elas não empalidecem.

    Como podes comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal ideia nos é estranha. Se não somos donos da pureza do ar ou do resplendor da água, como então podes comprá-los? Cada torrão desta terra é sagrado para meu povo, cada folha reluzente de pinheiro, cada praia arenosa, cada véu de neblina na floresta escura, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados nas tradições e na consciência do meu povo. A seiva que circula nas árvores carrega consigo as recordações do homem vermelho.

    O homem branco esquece a sua terra natal, quando — depois de morto — vai vagar por entre as estrelas. Os nossos mortos nunca esquecem esta formosa terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia — são nossos irmãos. As cristas rochosas, os sumos da campina, o calor que emana do corpo de um mustang, e o homem — todos pertencem à mesma família.

    Portanto, quando o grande chefe de Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, ele exige muito de nós. O grande chefe manda dizer que irá reservar para nós um lugar em que possamos viver confortavelmente. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, vamos considerar a tua oferta de comprar nossa terra. Mas não vai ser fácil, porque esta terra é para nós sagrada.

    Esta água brilhante que corre nos rios e regatos não é apenas água, mas sim o sangue de nossos ancestrais. Se te vendermos a terra, terás de te lembrar que ela é sagrada e terás de ensinar a teus filhos que é sagrada e que cada reflexo espectral na água límpida dos lagos conta os eventos e as recordações da vida de meu povo. O rumorejar d’água é a voz do pai de meu pai. Os rios são nossos irmãos, eles apagam nossa sede. Os rios transportam nossas canoas e alimentam nossos filhos. Se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar e ensinar a teus filhos que os rios são irmãos nossos e teus, e terás de dispensar aos rios a afabilidade que darias a um irmão.

    Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um lote de terra é igual a outro, porque ele é um forasteiro que chega na calada da noite e tira da terra tudo o que necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga, e depois de a conquistar, ele vai embora, deixa para trás os túmulos de seus antepassados, e nem se importa. Arrebata a terra das mãos de seus filhos e não se importa. Ficam esquecidos a sepultura de seu pai e o direito de seus filhos à herança. Ele trata sua mãe — a terra — e seu irmão — o céu — como coisas que podem ser compradas, saqueadas, vendidas como ovelha ou miçanga cintilante. Sua voracidade arruinará a terra, deixando para trás apenas um deserto.

    Não sei. Nossos modos diferem dos teus. A vista de tuas cidades causa tormento aos olhos do homem vermelho. Mas talvez isto seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que de nada entende.

    Não há sequer um lugar calmo nas cidades do homem branco. Não há lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o tinir das asas de um inseto. Mas talvez assim seja por ser eu um selvagem que nada compreende; o barulho parece apenas insultar os ouvidos. E que vida é aquela se um homem não pode ouvir a voz solitária do curiango ou, de noite, a conversa dos sapos em volta de um brejo? Sou um homem vermelho e nada compreendo. O índio prefere o suave sussurro do vento a sobrevoar a superfície de uma lagoa e o cheiro do próprio vento, purificado por uma chuva do meio-dia, ou rescendendo a pinheiro.

    O ar é precioso para o homem vermelho, porque todas as criaturas respiram em comum — os animais, as árvores, o homem.

    O homem branco parece não perceber o ar que respira. Como um moribundo em prolongada agonia, ele é insensível ao ar fétido. Mas se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar reparte seu espírito com toda a vida que ele sustenta. O vento que deu ao nosso bisavô o seu primeiro sopro de vida, também recebe o seu último suspiro. E se te vendermos nossa terra, deverás mantê-la reservada, feita santuário, como um lugar em que o próprio homem branco possa ir saborear o vento, adoçado com a fragrância das flores campestres.

    Assim, pois, vamos considerar tua oferta para comprar nossa terra.

    Se decidirmos aceitar, farei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos.

    Sou um selvagem e desconheço que possa ser de outro jeito. Tenho visto milhares de bisões apodrecendo na pradaria, abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem em movimento. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante do que o bisão que (nós — os índios) matamos apenas para o sustento de nossa vida.

    O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Porque tudo quanto acontece aos animais, logo acontece ao homem. Tudo está relacionado entre si.

    Deves ensinar a teus filhos que o chão debaixo de seus pés são as cinzas de nossos antepassados; para que tenham respeito ao país, conta a teus filhos que a riqueza da terra são as vidas da parentela nossa. Ensina a teus filhos o que temos ensinado aos nossos: que a terra é nossa mãe. Tudo quanto fere a terra — fere os filhos da terra. Se os homens cospem no chão, cospem sobre eles próprios.

    De uma coisa sabemos: a terra não pertence ao homem; é o homem que pertence à terra, disso temos certeza. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo está relacionado entre si. Tudo quanto agride a terra, agride os filhos da terra. Não foi o homem quem teceu a trama da vida: ele é meramente um fio da mesma. Tudo o que ele fizer à trama, a si próprio fará.

  • Sociologia movimentos sociais

    O estudo dos movimentos sociais representa um dos campos mais fecundos da sociologia contemporânea, especialmente em virtude das transformações que marcam o tecido social na era da globalização. A sociologia, ao se debruçar sobre as formas coletivas de ação, busca compreender os mecanismos de mobilização, as motivações subjetivas e objetivas dos atores sociais, bem como suas relações com as estruturas sociais. A partir da obra de Maria da Glória Gohn (1997), torna-se possível traçar uma linha interpretativa que articula diferentes paradigmas teóricos e contextos históricos na compreensão dos movimentos sociais. Este artigo explora, sob o prisma da sociologia, as principais teorias e paradigmas dos movimentos sociais, articulando aspectos da ciência política e da antropologia, com especial atenção à realidade latino-americana e brasileira.

    O conceito de movimento social na sociologia

    Na tradição sociológica, o conceito de movimento social está ligado à noção de ação coletiva. Ao contrário de ações isoladas, os movimentos sociais expressam interesses, valores e identidades coletivas que se manifestam publicamente por meio de protestos, reivindicações e organização. Não se trata apenas de reações imediatas a carências materiais, mas de fenômenos históricos e culturais que desafiam estruturas de dominação, propõem novas formas de sociabilidade e participam da construção do tecido democrático (Gohn, 1997).

    Melucci (1996), citado por Gohn, destaca que os movimentos sociais não são meras epifanias políticas, mas “tecidos relacionais” em que se manifestam conflitos entre visões de mundo, práticas sociais e formas de organização. Daí a necessidade de entender os movimentos como expressões de um campo social ainda não consolidado, onde se desenham alternativas e resistências às formas instituídas de poder e dominação.

    Paradigmas explicativos: norte-americano, europeu e latino-americano

    O paradigma norte-americano

    Nos Estados Unidos, a tradição sociológica desenvolveu, desde o início do século XX, um conjunto de teorias que se voltam para a análise do comportamento coletivo. A Escola de Chicago e os interacionistas simbólicos, como Blumer, interpretaram os movimentos sociais como respostas emocionais às privações socioeconômicas (Gohn, 1997). Blumer, por exemplo, definiu os movimentos como empreendimentos coletivos para estabelecer uma nova ordem de vida. Para ele, os movimentos evoluem de formas amorfas para organizações complexas com valores, normas e cultura próprias.

    Outra vertente importante foi a teoria da mobilização de recursos, desenvolvida por Olson, Zald e McCarthy. Nessa perspectiva, os movimentos são compreendidos como empreendimentos racionais, com estratégias, lideranças e recursos organizacionais. O foco desloca-se da psicologia coletiva para a estrutura organizacional e as oportunidades políticas (Gohn, 1997).

    A crítica a essa vertente veio de autores como Tilly e Tarrow, que enfatizaram os “ciclos de protesto” e as “estruturas de oportunidades políticas” como elementos centrais na emergência e desenvolvimento dos movimentos. Essas teorias contribuíram para articular os movimentos com o sistema político, considerando-os parte do jogo democrático e da disputa por reconhecimento.

    O paradigma europeu

    Na Europa, duas correntes principais se destacam: a marxista e a dos Novos Movimentos Sociais (NMS). A primeira, herdeira de Marx, Engels e Gramsci, enfatiza as lutas de classes como eixo estruturante dos movimentos sociais. A ênfase recai sobre as contradições do capitalismo, as formas de exploração e os mecanismos de resistência dos trabalhadores. A luta pela hegemonia e os projetos políticos de transformação social são centrais nesse paradigma (Gohn, 1997).

    Já os NMS, com autores como Touraine, Melucci e Offe, propõem uma abordagem mais voltada à subjetividade, identidade e cultura. Os movimentos deixam de se restringir à esfera econômica e passam a atuar em campos como a ecologia, o feminismo, os direitos civis, a sexualidade e a cidadania. Touraine vê os movimentos como produtores de sentido social; Melucci os entende como redes que expressam identidades e estilos de vida alternativos (Gohn, 1997).

    O paradigma latino-americano

    Na América Latina, os movimentos sociais assumem características singulares, relacionadas às lutas populares, aos processos de marginalização e às desigualdades estruturais. Desde os anos 1970, há um esforço para pensar os movimentos a partir de uma matriz própria, que articule as especificidades regionais às teorias universais.

    Gohn (1997) mostra que o paradigma latino-americano se constituiu por meio de uma leitura crítica dos paradigmas europeus, especialmente do marxismo e dos NMS. Na região, os movimentos estão ligados à luta por terra, moradia, acesso a serviços básicos e reconhecimento étnico-cultural. Movimentos como os dos trabalhadores sem terra, indígenas, negros, mulheres e juventudes periféricas representam novas formas de resistência e ação coletiva.

    A partir dos anos 1990, a globalização e o avanço do neoliberalismo impuseram novos desafios aos movimentos. Muitos passaram a atuar em parceria com ONGs, formulando projetos e reivindicando políticas públicas. A institucionalização de pautas e a burocratização das organizações trouxe um novo ciclo, marcado pela busca de sustentabilidade e pela profissionalização da militância (Gohn, 1997).

    Dimensões analíticas: cultura, identidade e política

    Os movimentos sociais não podem ser reduzidos a instrumentos de luta política. Eles são espaços de produção cultural, de construção de identidades e de reinvenção da vida cotidiana. A cultura é, portanto, uma dimensão central na análise dos movimentos. Ela se expressa em rituais, símbolos, discursos, estéticas e práticas que conferem sentido às ações coletivas (Melucci, 1996).

    A identidade, por sua vez, é o elo entre o indivíduo e o coletivo. É por meio dela que os sujeitos se reconhecem como parte de um “nós” que luta por um projeto comum. A construção da identidade coletiva envolve processos simbólicos, narrativas compartilhadas e a definição de fronteiras com o “outro” (Gohn, 1997).

    A dimensão política, por fim, diz respeito à articulação dos movimentos com o Estado, os partidos e as instituições. Aqui, as teorias da mobilização de recursos e das oportunidades políticas oferecem ferramentas importantes para entender como os movimentos influenciam e são influenciados pelo contexto institucional. No entanto, é preciso ir além da lógica instrumental e considerar também os afetos, as subjetividades e os sentidos que mobilizam os sujeitos.

    O caso brasileiro: entre a participação e a crise

    O Brasil é um terreno fértil para o estudo dos movimentos sociais. Desde as lutas pela redemocratização nos anos 1970 até as manifestações recentes, o país tem testemunhado uma intensa atividade de mobilização popular. Gohn (1997) identifica três ciclos principais no Brasil: o primeiro (1972-1984), marcado pela luta contra a ditadura; o segundo (1985-1989), de institucionalização e participação; e o terceiro (1990-1997), de reconfiguração diante da globalização e das novas demandas sociais.

    Nesse processo, destacam-se movimentos como o dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), das mulheres, dos negros, das juventudes, dos povos indígenas e das periferias urbanas. Esses movimentos têm reivindicado não apenas direitos materiais, mas também reconhecimento simbólico, autonomia e participação nos processos decisórios.

    Contudo, a partir dos anos 2000, observa-se uma crise de mobilização, com o esvaziamento de algumas organizações e a dispersão das pautas. A emergência das redes digitais e das novas formas de ativismo (como o ciberativismo) redesenhou o campo da ação coletiva. A Primavera Secundarista, as Jornadas de Junho de 2013 e os protestos contra a violência policial revelam novas dinâmicas, horizontais e descentralizadas, que desafiam os modelos tradicionais de organização (Gohn, 1997).

    Considerações finais

    A análise sociológica dos movimentos sociais permite compreender as múltiplas formas de ação coletiva que atravessam a sociedade contemporânea. Como nos lembra Gohn (1997), os movimentos são fenômenos históricos e dinâmicos, que respondem às transformações do mundo e, ao mesmo tempo, propõem novas formas de viver, resistir e transformar.

    A integração entre as dimensões cultural, identitária e política revela a complexidade dos movimentos sociais. Eles não são apenas instrumentos de reivindicação, mas espaços de produção de sentido, de subjetividades e de sociabilidades alternativas.

    Na intersecção entre sociologia, ciência política e antropologia, os estudos sobre movimentos sociais contribuem para pensar criticamente a sociedade, os conflitos e as possibilidades de emancipação. Em um mundo marcado por desigualdades e exclusões, os movimentos continuam a ser faróis de resistência, solidariedade e transformação social.

    Referências bibliográficas

    GOHN, Maria da Glória. Teoria dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Edições Loyola, 1997.

    MELUCCI, Alberto. Movimentos sociais e mudança social. In: GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais e cidadania. São Paulo: Cortez, 1996.

    TOURAINE, Alain. O retorno do ator: ensaio de sociologia. Petrópolis: Vozes, 1984.

    OFFE, Claus. Novos movimentos sociais: desafio à teoria social. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, n. 1, p. 66-79, 1986.

    TARROW, Sidney. Power in movement: social movements and contentious politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.

    TILLY, Charles. From mobilization to revolution. Reading: Addison-Wesley, 1978

  • Sociologia em movimento pdf

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    Você já se perguntou por que a Sociologia é tão importante na escola? Sociologia em Movimento é uma obra pensada para provocar, questionar e ampliar a forma como enxergamos o mundo. Escrito por um coletivo de autores com ampla vivência na sala de aula, o livro trata de temas centrais da vida em sociedade: identidade, cultura, trabalho, desigualdade, movimentos sociais, meio ambiente, democracia e muito mais. Tudo isso com uma linguagem acessível, atividades dinâmicas e propostas interdisciplinares que ajudam a conectar teoria e prática. Ideal para quem quer desenvolver um olhar crítico e consciente!

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    Talvez alguns de vocês já tenham tido algum contato prévio com a Sociologia — seja nas aulas de Ciências Sociais no Ensino Fundamental, em artigos de revistas, em vídeos na internet ou até mesmo em programas de televisão que abordam temas sociais. Outros, no entanto, talvez estejam se aproximando dessa área do conhecimento pela primeira vez, justamente agora, ao ingressar no Ensino Médio. Mas, afinal, o que é a Sociologia? Qual o papel de um sociólogo? Para que serve esse campo de estudos das Ciências Humanas?

    Essas são perguntas recorrentes — dúvidas legítimas — que costumam ecoar nas salas de aula, nas conversas entre estudantes, e até mesmo entre professores. Este livro, que agora você começa a explorar, não tem como objetivo principal oferecer respostas prontas ou definitivas. Ao contrário: ele foi pensado como uma ferramenta para despertar o pensamento crítico, estimular questionamentos e provocar reflexões. Nosso propósito é construir, junto com você, perguntas fundamentais para entender a sociedade em que vivemos, e, a partir delas, buscar caminhos possíveis para a construção de soluções, sempre com base no rigor teórico e metodológico das Ciências Sociais.

    Desejamos que este livro contribua para expandir seu olhar sobre o mundo, ajudando a interpretar os fenômenos sociais com mais profundidade e consciência. A Sociologia é, antes de tudo, uma lente que nos permite ver a realidade por ângulos diferentes — uma chave que abre portas para compreensões mais amplas e menos naturalizadas do nosso cotidiano. Ela nos ensina que grande parte do que fazemos, pensamos e sentimos — inclusive os problemas que enfrentamos — não está inscrita na natureza humana de forma imutável. São, na verdade, construções sociais e históricas: costumes, normas, tradições, valores e hábitos que se modificam no tempo e no espaço.

    Por exemplo, quando comemos, não estamos apenas respondendo a uma necessidade biológica de sobrevivência. Estamos também expressando práticas culturais — como preferir arroz, feijão, bife e batata frita. Essas escolhas alimentares não são universais nem naturais; são fruto da história, da cultura e das relações sociais de cada sociedade. E mais: às vezes, deixamos de comer por motivos simbólicos ou políticos, como no caso das greves de fome. Isso mostra como nossa vida é profundamente atravessada por significados sociais que a Sociologia nos ajuda a compreender.

    Outro aspecto importante deste livro é que ele foi construído com base na prática docente de professores e professoras que, ao longo de suas trajetórias, enfrentaram os desafios reais da sala de aula. Por isso, os temas aqui tratados dialogam com o acúmulo teórico da Sociologia, mas também com as questões que atravessam o cotidiano dos jovens estudantes de hoje — suas dúvidas, angústias, interesses e desejos de transformação social.

    Esperamos que os textos, as atividades, os filmes, livros, sites, aplicativos e jogos sugeridos ao longo dos capítulos estimulem a sua curiosidade intelectual e favoreçam uma compreensão mais crítica da realidade. Queremos que você se aproprie sociologicamente da vida — ou seja, que consiga enxergar, pensar e agir a partir das ferramentas e dos conceitos que este campo do conhecimento oferece. Que esse processo seja, além de significativo, também prazeroso, instigante e transformador.

  • Documentário Xuxa

    Maria da Graça Xuxa Meneghel, conhecida popularmente como Xuxa, é uma figura emblemática na cultura brasileira. Sua trajetória, que abrange desde o início como modelo até se tornar a “Rainha dos Baixinhos”, reflete transformações significativas na sociedade brasileira.

    Nascida em 1963, em Santa Rosa, Rio Grande do Sul, Xuxa iniciou sua carreira como modelo na adolescência. Sua participação em revistas e programas de televisão na década de 1980 marcou o início de sua notoriedade nacional. A transição de modelo para apresentadora infantil ocorreu quando foi convidada a apresentar o “Clube da Criança” na Rede Manchete, consolidando sua presença na mídia brasileira.

    A década de 1980 testemunhou uma expansão do mercado de produtos voltados para o público infantil no Brasil. Xuxa desempenhou um papel central nesse fenômeno, associando sua imagem a uma variedade de produtos, desde brinquedos até roupas. Essa estratégia de marketing não apenas ampliou sua influência, mas também moldou padrões de consumo entre as crianças brasileiras.

    A imagem de Xuxa na mídia suscitou debates sobre representações de gênero e sexualidade. Sua estética e performances foram analisadas por estudiosos que apontam para uma complexa interseção entre infantilização e erotização, refletindo e influenciando normas sociais da época.

    Embora Xuxa tenha sido uma figura central na mídia brasileira, críticas foram direcionadas à falta de diversidade em seus programas, especialmente na seleção de assistentes de palco, conhecidas como “paquitas”, predominantemente brancas e loiras. Essa homogeneidade levanta questões sobre representatividade racial na televisão brasileira e o papel de Xuxa nesse contexto.

    Além de sua carreira artística, Xuxa engajou-se em causas sociais, fundando a Fundação Xuxa Meneghel em 1989, com o objetivo de promover os direitos das crianças e adolescentes. Essa iniciativa reflete uma dimensão de sua biografia que transcende o entretenimento, contribuindo para debates sobre responsabilidade social de figuras públicas.

    Ao longo das décadas, Xuxa adaptou-se a mudanças no cenário midiático, transitando por diferentes formatos e emissoras. Sua capacidade de reinvenção evidencia não apenas sua versatilidade, mas também as transformações na indústria do entretenimento e nas preferências do público brasileiro.

    Considerações finais

    A trajetória de Xuxa Meneghel oferece um rico campo para análises sociológicas, evidenciando interações entre mídia, cultura de consumo, representações sociais e ativismo. Sua influência na sociedade brasileira é multifacetada, refletindo e moldando dinâmicas sociais ao longo das últimas décadas.

     

     

     

  • Documentário quem somos nós [dica de filme]

    O filme “Quem Somos Nós?” (“What the Bleep Do We Know!?”), lançado em 2004, propõe uma interseção entre física quântica e espiritualidade, sugerindo que a consciência humana influencia diretamente a realidade física. Embora tenha alcançado considerável popularidade, especialmente entre públicos interessados em novas espiritualidades e autoajuda, o filme foi alvo de críticas contundentes por parte da comunidade científica.

    1. Contextualização do Filme “Quem Somos Nós?”

    “Quem Somos Nós?” combina entrevistas com cientistas e pensadores, animações e uma narrativa ficcional para explorar a relação entre física quântica e consciência. O filme sugere que a realidade é maleável e pode ser influenciada pelos pensamentos e emoções individuais, uma ideia que, embora atraente para muitos, carece de fundamentação científica sólida.

    2. A Perspectiva da Física: Deturpação dos Conceitos Quânticos

    A física quântica é um campo da ciência que descreve o comportamento de partículas em escalas subatômicas. Seus princípios são frequentemente contraintuitivos e complexos, o que os torna suscetíveis a interpretações equivocadas. “Quem Somos Nós?” é criticado por distorcer conceitos quânticos para apoiar afirmações não científicas. Por exemplo, o filme sugere que a observação consciente pode colapsar funções de onda e, assim, criar a realidade desejada pelo observador. Essa interpretação extrapola o princípio da superposição quântica e ignora o contexto específico em que tais fenômenos ocorrem, levando a uma compreensão errônea da física quântica (Sokal, 1996).

    3. A Perspectiva Sociológica: Pseudociência e Cultura Contemporânea

    Do ponto de vista sociológico, a popularidade de “Quem Somos Nós?” reflete tendências culturais contemporâneas, como a busca por espiritualidade alternativa e a desconfiança em relação às instituições científicas tradicionais. A pseudociência, caracterizada pelo uso de terminologia científica sem rigor metodológico, encontra terreno fértil em sociedades onde o conhecimento científico é valorizado, mas nem sempre compreendido em profundidade (Hansson, 2009). O filme utiliza jargões científicos para conferir credibilidade às suas afirmações, explorando a autoridade da ciência para promover ideias não comprovadas.

    4. O Problema da Demarcação: Ciência vs. Pseudociência

    A distinção entre ciência e pseudociência é um tema central na filosofia da ciência. Karl Popper propôs a falseabilidade como critério de demarcação, argumentando que uma teoria científica deve ser passível de refutação por meio de experimentação (Popper, 1934). As afirmações apresentadas em “Quem Somos Nós?” não atendem a esse critério, pois não oferecem hipóteses testáveis ou suscetíveis a refutação, situando-se, portanto, no domínio da pseudociência.

    5. O Caso Sokal e as Implicações para a Credibilidade Acadêmica

    O “Caso Sokal” ilustra os perigos da falta de rigor na interseção entre ciências naturais e humanidades. Em 1996, o físico Alan Sokal submeteu um artigo intencionalmente sem sentido à revista “Social Text”, que o publicou sem perceber a fraude (Sokal, 1996). Esse episódio revelou como discursos pseudocientíficos podem ser aceitos em círculos acadêmicos quando alinhados com certas predisposições ideológicas, ressaltando a necessidade de critérios rigorosos na avaliação de trabalhos que buscam integrar diferentes campos do conhecimento.

    6. A Influência de Pensadores Controversos: Amit Goswami e a “Física Quântica da Consciência”

    Amit Goswami, físico teórico, é um dos entrevistados em “Quem Somos Nós?” e defensor da ideia de que a consciência é a base da realidade física. Suas propostas, no entanto, são amplamente criticadas pela comunidade científica por carecerem de fundamentação empírica e por extrapolarem os limites da física quântica (Goswami, 1993). A promoção dessas ideias em mídias populares contribui para a disseminação de conceitos pseudocientíficos sob a aparência de legitimidade científica.

    7. Implicações Sociais e Educacionais da Disseminação da Pseudociência

    A difusão de conteúdos pseudocientíficos como os apresentados em “Quem Somos Nós?” tem implicações significativas para a educação e a percepção pública da ciência. A aceitação acrítica de tais ideias pode levar à desvalorização do método científico e ao enfraquecimento do pensamento crítico, essenciais para a tomada de decisões informadas na sociedade contemporânea (Pilati, 2022). Além disso, a pseudociência pode influenciar negativamente áreas como a saúde, quando, por exemplo, promove tratamentos sem eficácia comprovada.

    8. Estratégias para Combater a Pseudociência na Sociedade

    Para enfrentar a disseminação da pseudociência, é fundamental investir em educação científica de qualidade, que enfatize a compreensão dos métodos e princípios da ciência, além de promover o pensamento crítico. A comunicação científica deve ser acessível e transparente, desmistificando conceitos complexos e tornando a ciência mais compreensível ao público leigo. Instituições acadêmicas e científicas devem também se posicionar ativamente contra a pseudociência, destacando a importância do rigor metodológico e da ética na produção e divulgação do conhecimento (Hansson, 2009).

     

     

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  • How to Augment Sociology Teaching Through Video Content

    How to Augment Sociology Teaching Through Video Content

    How to Augment Sociology Teaching Through Video Content

    “The art of teaching is the art of assisting discovery.” This famous quote from Mark Van Doren can also be affiliated with the development of sociology.

    Teaching and learning sociology has a remarkable history. In the past, famous sociologists like Durkheim and Weber leveraged lectures and written texts for education. With the popularity of visual content, you can now provide your students with insights with dynamic videos. 

    Using videos for education is not a noble strategy.  The first educational film was made in the early 1900s. Nowadays, this has been enhanced. Video content now makes abstract theories relatable by showing real-world examples and interviews with sociologists and activists. There’s no wonder why multimedia usage in education has increased by 45% in the past five years. 

    Maybe you’re thinking, why invest time and effort in videos? 

    Well, video content provides many benefits for your sociology classes, including:

    Benefit 1. Improves Student Participation

    Videos are easily captivating, with studies saying that short videos improve student interaction by up to 24.7% and can elevate exam scores by up to 9%. Data also show that 59% of teachers say that interactive video formats can sustain students’ focus more than traditional educational materials. You’ll notice that videos motivate group discussion and improve critical thinking.

    Benefit 2. Provides Real-World Context

    In a 2019 study from Brigham Young University, 35% of educators now use video technologies like films for cultural input. You find that real-life examples in video form turn abstract theories into simple concepts. This allows you and your students to see the link between theory and everyday life.

    Benefit 3. Customizable for Different Learning Styles

    Videos support visual, auditory, and hands-on learners. In addition, video assists 83% of learners in retaining information better. For instance, motion visuals and animations may serve to explain and comprehend complicated topics. You also gain from diverse video formats that can be personalized to various learning styles.

    Types of Video Content for Sociology Education

    You can choose from various forms of video content to enrich your teaching. This includes:

    Documentary Clips and Case Studies

    Documentaries and case studies show real social issues. Use documentary clips to explore social problems like inequality, migration, and urbanization. Real-life case studies, on the other hand, can enable you to complement theories with practice. 

    Animated Explainer Videos

    Clips using fun animations and personalized AI avatars can enable you to turn advanced lessons into digestible and captivating materials. Advanced sociology theories like Game Theory, Marxism, and Postmodernism can be simplified to be comprehended by various students.

    Recorded Lectures and Interviews

    You can record guest lectures or interviews with experts. A tally of 67% of educators use recorded content to improve learning. Asynchronous videos add diverse perspectives and advance your classroom discussions.

    Role-Playing and Simulations

    Role-playing videos simulate social interactions and ethical dilemmas. For instance, a team of students can act out the Lost Letter Experiment to simulate social roles in action. Such videos turn theories into memorable experiences.

    Software and Platforms for Creating and Sharing Video Content

    Fortunately, there are plenty of tools to create video content for your sociology teaching. Let’s discuss a few of them below.

    Video Editing Software

    Of course, because we are talking about video content, the best tools for the task are online video editor tools. Premium software like Adobe Premiere Pro, Final Cut Pro, or DaVinci Resolve are some of the top picks. They have features that enable you to remove and trim unnecessary sections or add music to video clips. If you’re looking for free tools, you can also try Openshot and Shotcut. They are easy to use, but they may have limited features compared to premium software.

    AI-Powered Video Generators

    If you’d like to focus more on teaching sociology or you don’t have extra time for content creation, you can consider AI-powered video generators. These platforms, such as Synthesia, VEED, and Pictory, allow you to create animated explainer videos quickly. They use artificial intelligence to turn text into spoken words and add simple graphics. Opt for tools with features like eye contact AI or background noise remover to make your videos professional.

    Video Hosting

    Video hosting is another essential tool. You can upload your videos on popular platforms like YouTube or Vimeo. YouTube now boasts over 2 billion users, so it is a great way to show your work to a large viewership. Other educational sites like Coursera and EdX also provide ways to share video content in a structured learning environment. Hosting your videos online guarantees that they are available for students anytime and on any device.

    Social Media

    Social media channels also aid in extending the popularity of your videos. You can use Facebook, Instagram, or LinkedIn to share clips or links. In fact, 86% of educators say they use social media to share content with their students. This makes it easier for your videos to be seen and discussed in different circles.

    Collaboration Tools

    Finally, collaboration tools like Slack and Google Drive make it easy to work with colleagues. These tools let you share video files, collect feedback, and collaborate on projects. Some also allow your team to work simultaneously on your video content and personalize it for the needs of your students.

    By using these tools, you guarantee that your video content is professional, accessible, and captivating for all learners. They let you save time, work within your budget, and make your sociology lessons more interactive.

    Best Practices for Integrating Video Content in Sociology Classes

    To get the most from video content in your sociology classes, follow these best practices. 

    Match with Learning Objectives

    First, always match your videos with your learning objectives. Choose videos that match your curriculum so that every clip has a clear purpose. This makes it easier for students to correlate what they see with the theories they are learning.

    Compress your Video Length

    The shorter and more compressed your video message, the better. Try limiting your videos to up to 5 to 10 minutes long. Shorter videos make students more participative. If a video is too long, students may be distracted or miss critical points.

    Motivate Active Learning

    Promote active learning by pausing the video at vital moments. Ask questions or use interactive quizzes during the break. It can inspire students to think about what they have seen and tie the video content back to the course material.

    Prioritize Accessibility

    Guarantee that your videos are accessible to all students. Add subtitles and transcripts so that students with hearing issues or language difficulties can follow along. Accessibility is significant for inclusion and to make sure no one is left behind.

    Mix Video Types

    Mix different types of video content. Use documentaries, animated explainers, and recorded lectures to sustain your lessons fresh. Alternating formats prevent the class from feeling bored and customized to different learning styles.

    Use analytics to track how students interact with the videos. Many platforms provide data on how long students watch and which parts they rewatch. This information can enable you to adjust your teaching methods and choose better video content in the future.

    Takeaways

    Following these steps above creates a dynamic and inclusive learning environment. You can make sociology lessons fun and memorable by using video content that is well-chosen, interactive, and easy to follow. When you use these best practices, you assist your students to learn better and feel more passionate about the subject matter.

    In conclusion, you now see how video content can augment your sociology teaching. Video boosts student participation, provides real-life context, and supports various learning styles. You have learned which types of videos work best, including documentaries, animations, lectures, and role-playing simulations. 

    Here’s your checklist:

    • Select accurate, captivating videos.
    • Optimize video length between 5-10 minutes.
    • Use interactive pauses and quizzes.
    • Guarantee videos have subtitles and transcripts.
    • Mix various video types.
    • Use reliable editing and hosting tools.
    • Monitor student participation.
    • Cross-check video content for accuracy.
    • Provide offline alternatives.
    • Plan discussions around video content.
  • Privacidade na pesquisa sociológica: The Role of Encryption Technologies (O papel das tecnologias de criptografia)

    A pesquisa sociológica sempre lidou com um dilema central: como coletar informações detalhadas sobre grupos e indivíduos sem comprometer sua privacidade? No século XXI, essa questão tornou-se ainda mais complexa, dada a digitalização dos processos de coleta de dados e a crescente vigilância online. Tecnologias de criptografia emergem como aliadas essenciais para garantir a proteção de dados e a confidencialidade das informações obtidas. Mas será que são suficientes?

    criptografia

     

    A necessidade urgente de privacidade

    Estudos sociológicos frequentemente abordam temas sensíveis — desigualdade, violência doméstica, comportamento político, saúde mental. Os entrevistados, ao compartilharem suas experiências, podem se tornar vulneráveis a represálias, discriminação ou até perseguições. A criptografia desempenha um papel crítico ao tornar esses dados inacessíveis para terceiros não autorizados. No entanto, a ameaça não vem apenas de governos ou grandes corporações. Hackers, empresas de marketing e até mesmo curiosos mal-intencionados podem se interessar por informações confidenciais.

    Esses são os processos que as VPNs (servidores virtuais privados) realizam por um preço. Ao mascarar seu IP e modificar a conexão dos serviços de segurança, sua VPN exigirá que você identifique os usuários desse serviço. VPNs de alta tecnologia como a VeePN oferecem uma série de recursos de proteção de dados. Tudo bem? E a resposta é: não. Uma VPN é um elemento de igualdade, mas também protege a privacidade digital de ataques sociais.

    Criptografia: Mais que um bloqueio, uma necessidade

    O uso de criptografia não é um luxo — é uma exigência ética. Estudos indicam que cerca de 60% das pessoas hesitam em compartilhar informações pessoais em pesquisas online devido a preocupações com privacidade. Isso compromete a qualidade das análises, pois grupos mais vulneráveis podem se sentir intimidados e evitar a participação.

    Os métodos de criptografia podem ser divididos em dois tipos principais: simétrica e assimétrica. A criptografia simétrica usa a mesma chave para codificar e decodificar os dados, sendo rápida, mas vulnerável se a chave for comprometida. Já a criptografia assimétrica utiliza um par de chaves (pública e privada), tornando-se mais segura, porém mais lenta.

    Em pesquisas sociológicas, o ideal é uma combinação das duas. Coletar dados com criptografia simétrica para eficiência e, posteriormente, armazená-los sob criptografia assimétrica para garantir que apenas pessoas autorizadas possam acessá-los.

    seguranca informacao

     

    Desafios na proteção de dados sociológicos

    A teoria é bonita, mas a prática enfrenta barreiras. Pesquisadores frequentemente dependem de softwares de terceiros para coletar e armazenar dados, e nem sempre esses sistemas são seguros. Em 2021, um estudo da Electronic Frontier Foundation apontou que mais de 80% dos aplicativos de coleta de dados acadêmicos tinham falhas de segurança. Isso significa que mesmo com criptografia, os dados podem ser expostos caso a plataforma utilizada seja comprometida.

    Outro desafio na transmissão segura de informações. Para evitar complicações, muitos usuários relatam usar o VeePN VPN, especialmente quando operam com a ajuda de comportamento agressivo. Não se preocupe, usar uma VPN só levará a ataques. As soluções são mais avançadas que as VPNs privadas (dVPNs) e exigem mais flexibilidade.

    A confidencialidade como prioridade ética

    A privacidade na pesquisa sociológica não é apenas uma questão técnica, mas também ética. A confiança dos participantes depende diretamente da segurança oferecida pelos pesquisadores. A criptografia, combinada com boas práticas de proteção de dados, não apenas protege os indivíduos, mas fortalece a credibilidade do próprio campo acadêmico.

    Em um mundo onde a coleta de dados se tornou um grande negócio, garantir a confidencialidade é um ato de resistência contra abusos e vigilância indevida. Os pesquisadores devem ir além das soluções tradicionais, explorando novas tecnologias e métodos para garantir que a privacidade dos participantes não seja um detalhe secundário, mas o coração de qualquer investigação sociológica.

     

  • O espanhol e a nossa carreira docente e de pesquisa

    Por Cristiano Bodart

    Meu primeiro contato com uma língua estrangeira ocorreu ainda na educação básica. No entanto, pouco aprendi naquela etapa e, sinceramente, quase nada retive. Foi apenas quando iniciei o mestrado que percebi a necessidade de aprender, ao menos, a ler em espanhol e inglês. Ao me preparar para o doutorado, surgiu também a exigência de leitura em francês. Desde então, venho percebendo, de forma cada vez mais evidente, que dominar outros idiomas amplia significativamente as possibilidades de atuação tanto como docente quanto como pesquisador.

    Essa percepção se tornou ainda mais concreta durante uma recente experiência de mobilidade acadêmica: uma estadia de trinta dias na Europa, como pesquisador visitante. Nesse contexto, senti diretamente os limites impostos por uma formação linguística insuficiente. A dificuldade de comunicação em contextos internacionais, bem como o acesso restrito a redes de interlocução científica, evidenciaram o quanto uma formação mais sólida em línguas estrangeiras é necessária.

    Sabemos – ainda que, por vezes, finjamos não saber – que, no atual contexto de formação docente, marcado pela crescente internacionalização das redes de ensino, dos fluxos de pesquisa e da produção de conhecimento, o domínio de línguas estrangeiras não é mais um luxo ou um diferencial: tornou-se uma necessidade. Entre os idiomas mais estratégicos para profissionais das Ciências Humanas na América Latina, destaca-se o espanhol. Sua ampla difusão regional e seu papel nas trocas acadêmicas e culturais tornam o aprendizado profissional desse idioma um recurso valioso para docentes e pesquisadores que desejam ampliar horizontes, estabelecer parcerias e qualificar suas práticas pedagógicas e investigativas. Não saber ler, por exemplo, o espanhol, restringe o acesso a produção cientifica latino-americana. Não falar o espanhol, dificulta participar de eventos acadêmicos, inclusive online.

    Não me coloco aqui como especialista no ensino de línguas, tampouco pretendo oferecer fórmulas prontas. Peço apenas licença para compartilhar algumas reflexões e sugestões que, a meu ver, podem ser úteis a quem reconhece a importância de aprender outro idioma como estratégia de desenvolvimento acadêmico e profissional.

    Antes de tudo, é fundamental compreender que aprender uma nova língua com finalidades profissionais exige objetivos bem definidos. Afinal, qual seria o benefício mais direto em aprender, por exemplo, o espanhol? A lista é extensa. A leitura, escrita e conversação em espanhol podem viabilizar a publicação de artigos em revistas internacionais, além de permitir atuar como parecerista ou editor em periódicos estrangeiros. Também possibilitam uma participação mais efetiva em eventos acadêmicos e o fortalecimento de redes colaborativas de pesquisa. E, não menos importante, contribuem para a ampliação do repertório cultural, pedagógico e político do educador.

    Se você decidir investir no aprendizado de outro idioma, ter clareza sobre seus objetivos ajudará na escolha de estratégias e materiais didáticos e de pesquisa mais adequados, otimizando o tempo e os esforços investidos. Compartilho, a seguir, algumas dicas que coletei ao longo do tempo – algumas das quais tenho tentado seguir – e que considero particularmente interessantes.

    Invista em cursos com enfoque profissional e acadêmico

    Mais do que cursos voltados ao público geral, docentes e pesquisadores se beneficiam de formações específicas que priorizam o vocabulário técnico, a leitura crítica de textos científicos, a produção escrita formal e a compreensão oral em contextos acadêmicos. Diversas universidades e centros de línguas oferecem esse tipo de formação, muitas vezes com foco na comunicação científica e na atuação docente bilíngue. Se ainda estiver vinculado a uma universidade, veja se ela oferece curso.

    Priorize a leitura de textos acadêmicos em espanhol

    O contato direto com artigos, livros e documentos produzidos em espanhol amplia o repertório teórico e metodológico, além de fortalecer a capacidade de interpretação e de tradução. Essa prática é fundamental para o aprimoramento da língua, assim como para acessar a produção científica latino-americana.

    Participe de eventos e redes de pesquisa internacionais

    Congressos, simpósios, seminários e grupos de trabalho que envolvam pesquisadores hispano-americanos são excelentes oportunidades para praticar o idioma em situações reais. Essas experiências não apenas ajudam na fluência, como também fomentam a construção de redes colaborativas e o intercâmbio de saberes. No contexto atual, os eventos online são oportunidade de participar com custos reduzidos.

    Utilize recursos digitais e práticas autônomas de aprendizagem

    Podcasts, vídeos acadêmicos, cursos online, apps para aprender espanhol e clubes de leitura são instrumentos e estratégias interessantes que podem ser incorporados à rotina. Uma imersão contínua no idioma e com flexibilidade e alinhamento aos temas de interesse pode ser mais produtivo do que algo mais rígido que não terá condições de seguir.

    Produza textos em espanhol e submeta-os a periódicos e eventos

    A prática da escrita acadêmica em espanhol pode ser uma forma de gerar uma maior obrigação em aprender o espanhol. Enviar artigos, resenhas e comunicações orais a eventos internacionais pode contribuir para a consolidação do domínio linguístico, além de gerar a ampliação da visibilidade da sua produção científica.

    Valorize a dimensão intercultural do idioma

    Aprender espanhol não se resume a regras gramaticais ou vocabulário. É preciso compreender as diferenças culturais, políticas e epistêmicas que atravessam os países hispano-falantes. Essa sensibilidade é indispensável para construir diálogos interculturais mais éticos, respeitosos e colaborativos. Isso é de grande importância, por exemplo, durante uma exposição de um tema durante eventos acadêmicos.

    Para nós, professores e pesquisadores comprometidos com uma formação crítica, humanizada e internacionalizada, o domínio de outras línguas representa mais do que uma habilidade instrumental: é uma ponte para novas possibilidades de atuação profissional, produção de conhecimento e participação em redes de transformação social.

    Espero manter o foco e avançar nessa direção – por mim, por minha prática docente e pelas conexões que ainda posso construir.

  • O que é Uberização do Trabalho?

    O que é Uberização do Trabalho?

    Por Agenor Florêncio

    Baixe a versão em PDF AQUI

    Agenor Florêncio
    Agenor Florêncio, doutorando em Ciências Sociais pela UFRN

    Contextualizando

    A uberização do trabalho é resultado de uma interseção dos avanços tecnológicos e das políticas econômicas de cunho neoliberal, que procuraram remodelar as estruturas de ofertas de postos de trabalho. O fenômeno da uberização é recente, teve seu desabrochar no final de 2010, e foi com as plataformas digitais, como a UBER e mescla tecnologia de ponta, economia de plataforma (ou gig economy) além de mediar um modelo flexível de trabalho, mas com uma dinâmica exploratória de trabalho precarizado na base do processo.

    Conceituando

    Considerando o trabalho como uma atividade condicionante na constituição da vida humana, ou seja, ponto de partida para o processo de humanização, argumentamos que a sociedade capitalista o transformou em trabalho assalariado, alienado, fetichizado, ou seja, uma atividade reduzida a mero meio de subsistência (Antunes, 2004).

    A partir do século XIX as forças produtivas desenvolvem-se cada vez mais e os meios de produção deixam de serem controlados pelos grêmios, associações e cooperativas de ofício, passando a se concentrarem cada vez mais nas mãos da burguesia. O trabalhador deixar de ser o produtor direto dos meios necessários para a sua subsistência e subordina-se a relações salariais com os capitalistas.

    Tal expropriação se torna o fio condutor de todo o processo de revolução das forças produtivas do sistema capitalista. A maioria dos trabalhadores expropriados de suas terras e ferramentas não veem alternativas a não ser vender a sua força de trabalho em troca de uma relação salarial que faz com que o trabalho seja reduzido à criação do valor de troca. Valor este que apenas ganha sentido e se objetiva no dinheiro, resultante do assalariamento, da condição de escravatura assalariada de uns em detrimento de outros (Marx, 1996, p. 339-382).

    A classe trabalhadora, portanto, é resultado de um processo histórico de acumulação de capital em que os indivíduos forçadamente destituídos dos seus meios de produção são empurrados à venda da sua força de trabalho e submetidos a condições precárias de trabalho.

    O trabalho, essa importante atividade, submete os seres humanos ao estranhamento frente ao produto do seu próprio trabalho e frente ao próprio ato de produção da vida material, alterando todas as relações sociais e impedindo que a maioria dos seres humanos possa dar sentido as suas vidas de forma concreta (Antunes; Braga, 2009).

    O coroamento da “grande indústria” analisada por Marx quando do início da sociedade industrial do século XIX resultará na sociedade do trabalho taylorista-fordista do século XX. Nesse itinerário, os trabalhadores assumiram-se como classe social e conquistaram direitos.

    Direitos estes, entretanto, que passaram a serem atacados quando da crise do modelo taylorista-fordista a partir dos anos 1970. Crise como expressão da perda de dinamismo do modelo do pós-guerra – padrão de acumulação padronizada (Harvey, 1989) associada à crise do petróleo e do desinteresse americano na manutenção do arranjo [padrão ouro-dólar].

    Num contexto de forte retração da produção e do consumo, intensificou-se o desemprego, possibilitando terreno fértil para a ideologia liberal. A ordem do capital passou a ser a derrogação e desregulamentação de direitos conquistados. Medidas como: a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e o sucateamento do setor produtivo estatal foram adotas para que o processo de reestruturação da produção e do trabalho mantivesse os patamares de lucro e expansão de mercado (Antunes, 1999, p. 29-31).

    É nesse contexto de ataque do capital ao trabalho e, simultaneamente, a evolução das forças produtivas – Revolução Tecnológica/Informacional (Castells, 2005) que se assiste ao surgimento do padrão de acumulação flexível (Harvey, 1989). A Revolução Informacional a partir de meados de 1970 irá contribuir também para mudanças no chão de fábrica (Castells, 2005: 80-95), agora de inspiração toyotista.

    Nesse novo “modelo” de caráter neoliberal e novas modalidades de trabalho se produzem nas empresas, novas e precárias identidades coletivas que contribuem consideravelmente para o discurso ideológico do trabalho flexível e meritocrático. As pessoas se sentem seduzidas pelos novos mecanismos geradores de valor em uma atividade globalizada que direciona para os indivíduos todos os insucessos e fracassos do sistema capitalista à luz da alienação do trabalho informacional (Antunes; Braga, 2019, p. 9- 18).

    Nesse contexto, a busca pelo restabelecimento da acumulação produtiva e a tentativa de reposição de parte da hegemonia perdida com as lutas sociais ocorridas durante o fim da década de 1960, fizeram o capitalismo se reorganizar. Adotam-se medidas que contribuíram para o disciplinamento de grande parte dos trabalhadores e “adaptação” frente ao desmantelamento dos direitos trabalhistas.

    Inicia-se, como destacamos, a mundialização da lógica econômico-produtiva da acumulação flexível. As indústrias passam de padrões hierarquizados a estratégias de reengenharia, terceirização, privatização e financeirização (Sennett, 2006). A mundialização do novo padrão de acumulação do capital adapta-se ao processo de reprodução social às novas tecnologias, recompondo o controle e gestão do trabalho, socializando para os trabalhadores, especialmente nas suas trajetórias profissionais, modos de trabalho precarizado.

    A uberização é, portanto, o resultado cabal desse processo de introjeção de elementos do capitalismo neoliberal globalizado, aliado ao desenvolvimento tecnológico e a economia de plataforma uma vez que levam o discurso de flexibilidade profissional para o “colaborador” ou “parceiro” (não mais trabalhador) mas, na prática, entrega uma atividade produtiva, sem proteção trabalhista e jornadas de trabalho intermitentes.

    O conceito em movimento

    O conceito uberização do trabalho passou a ser utilizado em 2015 após as contribuições dos pesquisadores críticos ao capitalismo de plataforma. Nesse ano, o estadunidense Tom Slee publica seu livro “What’s Yours Is Mine: Against the Sharing Economy” no qual procurou argumentar de modo pertinente como a chamada economia do compartilhamento era um modelo repleto de contradições, pois procurava mascarar a natureza exploratória das plataformas uma vez que transfere para os trabalhadores riscos e custos colocando em definhamento a regulamentação trabalhista vigente, independente qual seja o país. Para criticar a falsa autonomia e flexibilidade trabalhista da economia de plataforma surgiu o conceito de uberização que carga consigo longa tradição teórica conforme o Quadro 2.

    Quadro 2 – Contribuições para o entendimento do conceito de uberização do trabalho.

    Século XIX Século XX O início do Século XXI A partir de 2010
    Friedrich Engels publica “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra” (1845) e faz uma denúncia as condições precárias de trabalho e vida do operariado inglês Harry Braverman publica “Trabalho e capital monopolista” (1974) e expõe os problemas do capitalismo no contexto pós-taylorismo e no auge do Toyotismo exemplificando a perda dos trabalhadores sobre o seu processo produtivo. Ricardo Antunes publica “Os Sentidos do Trabalho: Ensaio sobre a Afirmação e a Negação do Trabalho” (2000) com o objetivo de fazer um resgate das principais morfologias do mundo do trabalho e o movimento dialético do trabalho enquanto de um lado, é produtor da realização humana e, por outro lado, negação por levar a exploração e alienação cada vez mais intensas. Giovanni Alves publica “Trabalho e subjetividade do trabalho: O Espírito do Toyotismo na Era do Capitalismo Manipulatório” (2010) e procura mostrar que capitalismo proporciona uma degradação física, mental e subjetiva dos trabalhadores imersos, cada vez mais em condições de trabalho degradantes.
    Karl Marx e Friedrich Engels publicam “O capital- volume I” (1867) e abordam o conceito de mais-valia, indispensável para compreender o processo de exploração do trabalho. David Harvey publica “A Condição Pós-Moderna: Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudança Cultural” (1989) e procura abordar a acumulação flexível denunciando Redução da estabilidade empregatícia, aumento do trabalho temporário e informal, e enfraquecimento dos sindicatos Richard Sennett publica “A corrosão do caráter” (2000) e explica como as mudanças econômicas do capitalismo afetam a vida pessoal e social dos trabalhadores. Guy Standing publica

    “O Precariado: A Nova Classe Perigosa” (2011) e procura entender o precariado enquanto uma nova classe social emergente caracterizada por trabalhadores ilegais ou com trabalhos instáveis ou, ainda, submetido ao trabalho das plataformas digitais.

    Robert Castel publica “A Metamorfose da Questão Social: Uma Crônica do Salariado” (1995) Para denunciar os efeitos do neoliberalismo no que se refere ao desmantelamento dos direitos trabalhistas na sociedade europeia. Ruy Braga publica “A Nostalgia do Fordismo” (2003) e procura compreender as transformações do mundo do trabalho na contemporaneidade e as respostas sociais a contraofensiva neoliberal aos direitos trabalhistas Tom Slee publica What’s Yours Is Mine: Against the Sharing Economy (2015) e argumenta como a economia de plataforma vem destruindo levando os trabalhadores para a uberização ao utilizar o discurso de trabalho flexível e “parceiro” entre empresa e trabalhador.

    Fonte: Ver referências bibliográficas.

    O conceito e seus usos

    Já parou para pensar quando é a folga dos entregadores que levam a comida, pedida no aplicativo, até a sua casa? Já percebeu que a avaliação que você faz do serviço dos motoristas de aplicativo determina a condição de trabalho que ele terá nas próximas entregas? A sugestão é que você converse com algum trabalhador das plataformas para sentir o que eles pensam sobre os seguintes temas: tempo de lazer, direitos trabalhistas, remunerações e perspectivas para o futuro de longo prazo.

    Será que as condições de trabalho dos entregadores de aplicativo são semelhantes as condições de trabalho do século XIX? Vejamos algumas afinidades: jornada intermitente, sem direitos trabalhistas, condições degradantes de trabalho; pressão para trabalhar a partir de subenumerações e sem tempo para o lazer. Que coisa! A tecnologia vende a ideia de progresso, mas mantém na sua base condições análogas a primeira etapa da revolução industrial!

     

    Referências

    ALVES, Giovanni. Trabalho e subjetividade do trabalho: O Espírito do Toyotismo na Era do Capitalismo Manipulatório. São Paulo: Boi tempo Editoral, 2010

    ANTUNES, Ricardo; BRAGA, Ruy (Org.). Infoproletários: Degradação real do trabalho virtual. São Paulo: Boi tempo Editoral, 2009.

    ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 10. Ed. São Paulo: Unicamp, 2005.

    ANTUNES, Ricardo. (Org.). A Dialética do Trabalho: Escritos de Mark e Engels. São Paulo: Expressão Popular, 2004.

    ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. São Paulo: Boi tempo Editorial, 1999.

    BARRETO, Júnior. Linha de Frente: os bastidores do telemarketing. São Paulo, Leia Sempre, 2007.

    BRAGA, Ruy. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo, 2012.

    BRAGA, Ruy. A Nostalgia do Fordismo: Modernização e crise na teoria da sociedade salarial. São Paulo, Xamã, 2003.

    BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. 3. ed. Rio de Janeiro: LTR, 1987

    CASTEL, Roberto. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Tradução de Iraci D. Poleti. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

    CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 8ª. Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

    HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Atlas, 1989.

    HELOANI, Roberto. Assédio Moral- um ensaio sobre a exploração da dignidade do trabalho. FGV, 2004.

    LOURENÇO, Edvânia Ângela de Souza e NAVARRO, Vera Lucia (Orgs.), O Avesso do Trabalho III. São Paulo: Expressão Popular, 2013.

    SLEE, Tom. (2016). What’s Yours Is Mine: Against the Sharing Economy. 10.2307/j.ctt1bkm65n.

    STANDING, Guy. O Precariado: A Nova Classe Perigosa. Traduzido por Cristina Antunes. Belo Horizonte: Autêntica, 2015

     

     

    Dicas de leitura

    Cartilha do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-2ª Região): o trabalho por plataformas digitais. Domínio público disponível para acesso em:

    https://ww2.trt2.jus.br/fileadmin/user_upload/20210910_cartilha_trabalho_app_MPT_online.pdf

    Cartilha do Tribunal Regional do Trabalho (TRT- 19ª Região): Delivery sim! Superexploração não! Domínio público disponível para acesso em: https://site.trt19.jus.br/sites/default/files/2022-04/22620.pdf

    HUGO, Victor: Os miseráveis (versão em quadrinhos). Domínio público disponível para acesso em:

    https://www.lpm.com.br/pnld/2021/arquivos/livros/MidiaArquivo_900728.pdf?srsltid=AfmBOoo0lOz9uyaDANHHMqWHIOSvFqLHt5KSQ3eFFlOu1aVaeFzzy_eh

     

    Dicas de filmes

    EU, Daniel Blake. Direção de Ken Loach. Produção de Rebecca O’Brien. Londres (Inglaterra): Sofa Digital, 2018. (140 min.), P&B. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Lgt4nDGM50Y. Acesso em: 01 dez. 2024.

    ‘GIG – A Uberização do Trabalho’. Direção de Carlos Juliano. Produção de Caue Angeli. Realização de Maurício Monteiro Filho. São Paulo: Repórter Brasil, 2019. (59 min.), P&B. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cMPnAfrMLCk. Acesso em: 01 fev. 2025.

     

    Dicas de músicas

    SAMBA DO OPERÁRIO. Direção de Cartola (Angenor de Oliveira). Produção de Nelson Sargento. Música: Samba do Operário. Rio de Janeiro, 1968. (3 min.), P&B. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=p2ex7kVNQSg. Acesso em: 05 jan. 2025.

    EU DESPEDI O MEU PATRÃO. Direção de Zeca Baleiro. Produção de Pet Shop Mundo Cão. Realização de Mza Music. São Paulo, 2008 (4 min). P&B. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CLhjvJkjdho. Acesso em: 01 fev. 2025.

     

    Dica de atividade

    Atividade 01

    Leia o poema “perguntas de um trabalhador letrado” (Bertold Brecht) e compare com a letra da música “samba do operário” do Cartola para responder o que se pede:

    1. Quais relações podemos estabelecer entre o poema de Brecht, a música do cartola e a vida dos trabalhadores na atualidade?
    2. É possível pensar a uberização do trabalho no poema? Aponte e comente possíveis afinidades
    3. É possível pensar a uberização do trabalho na letra da música? Aponte e comente possíveis afinidades
    Questão no Padrão ENEM

    Texto I
    Trecho de “Samba do Operário” (Cartola)
    “Se o operário soubesse reconhecer o valor que tem seu dia! Por certo que vallheria duas vezes mais o seu salário”

     

    Texto II
    Contexto sobre a Uberização do Trabalho

    A uberização é um fenômeno contemporâneo que se caracteriza pela precarização das relações de trabalho, marcada pela flexibilização, ausência de vínculos empregatícios e controle algorítmico. Nesse modelo, os trabalhadores são tratados como “parceiros” ou “autônomos”, mas na prática, estão subordinados às plataformas digitais, que determinam suas rotinas, ganhos e condições de trabalho.

     

    Com base nos textos e em seus conhecimentos, assinale a alternativa que melhor relaciona o trecho da música de Cartola com o fenômeno da uberização:

    1. A) O trecho da música reflete a autonomia do trabalhador, que, na uberização, tem liberdade para escolher seus horários e rotas, sem interferência das plataformas digitais.
      B)A repetição dos versos na música sugere a alienação do trabalhador, que, na uberização, é submetido a um ciclo de exploração em que o trabalho controla sua vida, assim como a plataforma controla o trabalhador.
      C) A música de Cartola celebra a relação harmoniosa entre o operário e o produto de seu trabalho, o que se assemelha à valorização do trabalhador autônomo no contexto da uberização.
      D) O trecho da música evidencia a independência do operário, que, assim como os motoristas de aplicativo, não depende de intermediários para realizar seu trabalho.
      E) A música critica a falta de reconhecimento do trabalho operário, problema que foi superado pela uberização, que garante direitos trabalhistas e proteção social aos motoristas.

     

     

     

    Como citar este texto:

    FLORÊNCIO, Agenor. O que é Uberização do Trabalho? Blog Café com Sociologia. Mar. 2025. Disponível em: https://cafecomsociologia.com/o-que-e-uberizacao-do-trabalho/