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7 erros/imprecisões comuns quando se fala/escreve sobre história do ensino de Sociologia

7 erros/imprecisões comuns quando se fala/escreve sobre história do ensino de Sociologia

Cristiano das Neves Bodart

É comum encontrar algumas afirmações equivocadas ou imprecisas sobre a história do ensino de Sociologia no Brasil. Em grande medida, a propagação dessas afirmações se explica pela prática de replicações de informações divulgadas em trabalhos mais antigos, quando ainda eram escassas as pesquisas e limitado o acesso às fontes primárias. Isso não significa que tais pesquisas não sejam importantes ou tenham perdido validade. Contudo, importa avançar no conhecimento da história dessa disciplina.

O esforço de reconstruir a história do ensino de Sociologia no Brasil buscando visitar fontes primárias é fundamental para superar imprecisões e equívocos, assunto que abordei, com Marcelo Cigales, em capítulo de livro publicado em 2021 pela editora Café com Sociologia (BODART, CIGALES, 2021).

Hoje já um maior acesso às fontes primárias sobre o tema, se comparado há 10 anos passados, o que nos possibilita termos maiores precisões sobre a história dessa disciplina; o que não significa que amanhã não tenhamos que reavaliar o que hoje atestamos. Aqui apresento algumas afirmações divulgadas de forma imprecisa ou equivocada e, em seguida, breves tentativas de esboçar esclarecimentos a partir dos conhecimentos sobre o tema até o momento produzido.

1 – “A Sociologia é uma disciplina crítica”.

Esclarecimento: Pesquisas recentes, tais como a publicada por Lima (2017), Cigales et all (2019), Lima (2020) e Paiva (2021), vêm destacando a multiplicidade de sentidos dado à disciplina, sobretudo ao longo de sua História. É verdade que mais recentemente uma vertente mais crítica vem predominando, mas perspectivas conservadoras estão presentes desde seu aparecimento no Brasil. Até os sentidos de “crítica” e “cidadania” associados à Sociologia escolar variam entre os docentes da disciplina e os documentos oficiais, como destacaram Oliveira e Engerroff (2020), assim como entre os estudantes, sobretudo sendo esses de classes sociais diferentes, como demonstrou pesquisa realizada no Distrito Federal (LEAL; YUNG, 2015). A disciplina de Sociologia aparece e se desenvolve no Brasil sob fortes influências do Positivismo e do Evolucionismo, reflexo do seu desenvolvimento no campo científico; tratei sobre esse caráter conservador no texto Origens da Sociologia: Reacionário é a mãe! (BODART, 2015), publicado no Blog Café com Sociologia.

2 – “A Sociologia, por ser crítica, foi retirada do currículo do ensino básico brasileiro pela ditadura militar”.

Esclarecimento: A Sociologia não foi retirada do ensino secundário brasileiro pela ditadura militar. Ela deixou de ser ofertada no ginasial (algo próximo do que é hoje o ensino médio) enquanto componente curricular obrigatório no ano de 1942, retornando gradativamente no segundo grau (hoje ensino médio) a partir dos anos de 1980 (BODART; AZEVEDO; TAVARES, 2020). Na época, um dos motivos apresentados para que ela fosse retirada do ensino secundário estava no fato de seu ensino ter ocorrido de forma pouco crítica, enciclopedista e distante da realidade dos(as) estudantes (PINTO, 1947). A “cara” da Sociologia escolar é dada, no frigir dos ovos, pelo(a) docente que estará a ensinar.

3 – “A Sociologia foi retirada das escolas após o ano de 1942”.

Esclarecimento: A Sociologia, antes de 1942, estava sendo ofertada nas escolas federais (que eram escolas modelos às demais) no ensino secundário, o qual era ofertado em suas modalidades: ginasial e normal (além de outras modalidades profissionalizantes, tal como a Escola do Comércio). O ginasial visava preparar os(as) estudantes para a prova de madureza, que proporcionava o ingresso ao ensino superior; já o normal tinha por objetivo formar professores(as) do ensino primário (semelhante ao magistério do ensino médio ofertado até recentemente). A Sociologia a partir de 1942 continuou presente nas Escolas Normais, sob o componente curricular “Sociologia da Educação” ou “Sociologia Educacional” durante toda a existência dos cursos de formação de professores primários ao nível secundário.

4 – “A Sociologia começou a ser ofertada no ensino secundário brasileiro no ano de 1925”.

Esclarecimento: Os primeiros registros históricos se referindo a oferta de Sociologia no ensino secundário datam da última década do século XIX. Algumas escolas ofertaram a disciplina por quase 10 anos seguidos, tal como as experiências do Gimnasio Amazonense e da Escola Normal de Manaus descritas em pesquisa realizada por Bodart e Cigales (2021). Pouco antes disso, em 1882 havia sido proposto a criação, no Lyceo de Artes e Officios, o curso denominado “commercial completo”, organizado em 4 anos, sendo “Elementos de Sociologia” ofertado no terceiro ano. Contudo, não temos informações se esse curso foi ofertado.

Em 1882 um “curso livre” de Sociologia foi ofertado na escola Politécnica do Rio de Janeiro. Ainda nos faltam informações quanto as características de tal curso, tais público e duração.

5 – “A Sociologia começou a ser ofertada no ensino secundário antes do ensino superior”.

Esclarecimento: A disciplina de Sociologia já aparecia no ano de 1881 como componente curricular obrigatório na Faculdade de Letras, sendo ofertada no 2º ano e no 3ª sob a nomenclatura de “Princípios de Sociologia”, curso que teve início no ano seguinte. Então, a Sociologia foi ofertada em 1883, já que estava no segundo ano. Em 1886 “Princípios e dados de Sociologia” já estava presente no projeto curricular para o curso de Direito da Faculdade de Recife. Em 1890 estava presente, sob a nomenclatura “Sociologia e Moral Theorica e pratica” na Faculdade de Medicina dos Estados Unidos do Brasil, o que é hoje a Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Assim, tudo indica que a Sociologia apareceu pela primeira vez no curso superior da Faculdade de Letras, em 1881 e nela ofertada em 1883.

6 – “O primeiro livro didático de Sociologia para o ensino secundário foi publicado em 1925”.

Esclarecimento: O livro publicado em 1925, de Lorton, é uma tradução. Antes dele, em 1917, foi publicado por de Elpídio de Abreu e Lima Figueiredo um manual de Sociologia denominado “Educação moral, noções de sociologia e direito usual”. O livro é organizado em três partes, como era, naquele momento, a oferta da Sociologia nas escolas normais do Distrito Federal (BODART; MARCHIORI, 2021).

7 – “A Sociologia retornou ao currículo do ensino médio apenas no ano de 2008”.

Esclarecimento: A Sociologia passou por um processo de reintrodução gradativa nos estados brasileiros, fenômeno que teve início em 1984, em São Paulo (BODART; AZEVEDO; TAVARES, 2020). O ano de 2008 é apontado como marco da “obrigatoriedade da oferta em todo o ensino médio”, embora naquele momento praticamente todos os estados já a ofertavam em seus currículos (embora não em todas as escolas). A rigor, a Sociologia passa a ser ofertada em todas as escolas de ensino médio apenas no ano seguinte a aprovação da “lei da obrigatoriedade”, em 2009.

Referências bibliográficas

BODART, Cristiano das Neves; AZEVEDO, Gustavo Cravo; TAVARES, Caio dos Santos. Ensino de Sociologia: processo de reintrodução no ensino médio brasileiro e os cursos de Ciências Sociais/Sociologia (1984-2008). Debates em Educação, Maceió, v.12, n. 27, p. 214-235, mai./ago. 2020. Disponível em: https://www.seer.ufal.br/index.php/debateseducacao/article/view/8964

BODART, Cristiano das Neves; CIGALES, Marcelo Pinheiro. O ensino de sociologia no século XIX: experiências no estado do Amazonas, 1890-1900. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.28, n.1, p.123-145, jan./mar. 2021, Disponível em: https://www.scielo.br/j/hcsm/a/LQdm3DtgtrTFYdxpXNV5d6B/

BODART, Cristiano das Neves; MARCHIORI, Cassiane da C. Ramos. Fragmentos da história do ensino de sociologia no Brasil. Revista Brasileira De História Da Educação, v. 21, n. 1, e181. 2021. Disponível em: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/rbhe/article/view/54770

BODART, Cristiano das Neves. Origens da Sociologia: Reacionário é a mãe!” Blog Café com Sociologia, 2015.

CIGALES, Marcelo, et all. Os sentidos do ensino de Sociologia: o que dizem egresso/as da licenciatura em Ciências Sociais da UFSC? Norus, v. 7, n. 12, 2019. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/NORUS/article/view/18086

COSTA PINTO, Luiz de Aguiar. O ensino da sociologia na escola secundária. Tese de concurso de Livre Docência. Rio de Janeiro, Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, (setembro) 1947.

ENGERROFF, Ana Martina Baron; OLIVEIRA, Amurabi. O ensino de Sociologia no Brasil e os sentidos da cidadania nos documentos oficiais norteadores da prática docente. In: BODART, Cristiano das Neves. O ensino de Sociologia e de Filosofia escolar. Maceió: Editora Café com Sociologia, 2020.

LEAL, Sayonara; YUNG, Tauvana. Por uma sociologia do ensino de Sociologia nas escolas: da finalidade atribuída à disciplina à experiência social do alunato. Estudos de caso no Distrito Federal. Sociedade e Estado, v. 30, p. 773-796, 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/se/v30n3/0102-6992-se-30-03-00773.pdf

LIMA, Alexandre. Jerônimo Correia. Sentidos da sociologia na escola: modalidades de práticas pedagógicas. Revista Espaço Acadêmico, v. 16, n. 190, p. 27-40, 2017. Disponível em: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/35729

LIMA, Vinícius Carvalho. Os sentidos do ensino de Sociologia no brasil nos anos 1920-1940. Curitiba: Appris, 2020.

PAIVA, Andréa Lúcia da Silva de. Os sentidos da Sociologia na Educação Básica: desafios curriculares e as políticas públicas educacionais. Latitude, v. 14, edição Especial, p. 189–208, 2021. Disponível em: https://www.seer.ufal.br/index.php/latitude/article/view/11376

Como citar este texto:

BODART, Cristiano das Neves. 7 erros/imprecisões comuns quando se fala/escreve sobre história do ensino de Sociologia. Blog Café com Sociologia. fev. 2022.

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Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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