ensino
Por Cristiano dasNeves Bodart[1]
Precisamos dialogar sobre a Pesquisa acerca do Ensino de Sociologia!
Baseando-nos em Freire (2019) partimos do pressuposto que dialogar demanda, ao menos, dois atores sociais. Não se trata de um monólogo, onde alguém fala e outro(s) escuta(m); demanda ouvir e falar como(s) outro(s). Aliás, falar nem sempre envolve diálogo.
Dialogar sobre o ensino de Sociologia exige dos envolvidos interações e trocas, seja entre pesquisadores[2]e pesquisados, pesquisadores e orientandos ou entre pesquisadores e seus pares. Na pesquisa sobre o ensino de Sociologia, que envolve pesquisador(a)s e pesquisado(a)s, importa não objetivar o(a) pesquisado(a), tornando-o(a) uma “coisa”. Ao contrário, é importante tomá-lo(a) por co-autor(a) na produção do conhecimento. É em diálogo com esse(a) co-autor(a) – falando com ele(a) e ouvindo-o(a) – que o conhecimento das práticas sociais e seus sentidos se originam. Assim, desvelam-se as práticas do ensino de Sociologia com suas riquezas de sentidos percebidos e compartilhados dialogicamente com todos os envolvidos.
Qual o sentido de pesquisar o ensino de Sociologia se isso não gerar mudanças qualitativas na vida cotidiana que se desenrola na (e a partir da) escola? Em termos freirianos (2019), qual seria o sentido de uma pesquisa que não identifique situações-limites que potencialize a concretização do inédito viável[3]? Chamamos atenção para o fato de que muitas vezes os atores sociais pesquisados (educadores-educandos, discentes etc.) só dispõem dos momentos da pesquisa para dialogar com o(a) pesquisador(a). Muito provavelmente os atores sociais pesquisados não estarão a ler a tese produzida ou o artigo científico publicado em periódico QualisA1, assim como dificilmente marcarão presença nos auditóricos dos congressos acadêmicos de Sociologia ou de Educação ondes as pesquisas são apresentadas. Se não houver diálogo durante o ato de pesquisar, privamos os atores sociais envolvidos do conhecimento que co-produzimos no subcampo de pesquisa do ensino de Sociologia. Sem diálogo tendemos a ouvir nossas próprias vozes e limitamos os “resultados” de nossas pesquisas às nossas visões de mundo. Por isso, importa dialogar sobre o ensino de Sociologia no momento da prática da pesquisa. Como sinalizou Freire (1977, p. 65) “a intersubjetividade ou a intercomunicação é a característica primordial deste mundo cultural e histórico. […] Pela intersubjetividade, se estabelece a comunicação entre os sujeitos a propósito do objeto”; por isso, advogamos que pensar o ensino de Sociologia como objeto de pesquisa se mostrará mais produtivo na medida que a intersubjetividade entre pesquisadore(a)s e pesquisado(a)s for estebelecida.
Dialogando saímos do nosso “mundo acadêmico” e adentramos em outros existentes, assim como apresentamos esse nosso mundo aos de fora. Dialogando fazemos com que o conhecimento acadêmico produzido no campo fique no campo; ao menos parte dele. Não vejo melhor maneira de aproximar a universidade do(a)s educadores(a)s da escola básica e de seus discentes. Portanto, precisamos dialogar sobre o ensino de Sociologia!
Precisamos dialogar no Ensino de Sociologia!
Convém repetir: dialogar demanda, ao menos, dois atores sociais. Não se trata de um monólogo, onde alguém fala e outro(s) escuta(m); demanda ouvir e falar como(s) outro(s). Aliás, falar nem sempre envolve diálogo.
No ensino de Sociologia, no chão da escola ou da universidade, não podemos adotar práticas depositárias de conhecimento. Em se tratando de ensino-aprendizagem, como disseram Freire e Shor (1986, p. 14) “o diálogo sela o ato de aprender, que nunca é individual”. Nosso(a)s discentes precisam ter “direito à palavra”, de expressar-se, de relatar os mundos como os enxergam. Como destacou Freire (2019, p.108-109), “não é no silêncio que os homens se fazem, mas nas palavras, no trabalho, na ação-reflexão […] o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens”. Não podemos olvidar que o(a)s nosso(a)s discentes têm seus mundos, ainda que possamos – e devemos – apresentar-lhes outros possíveis.
É sabido que o mundo do(a) professor(a) e o mundo dos discentes são diferentes; às vezes distantes. Em se tratando de conhecimento, o saber do “homem e da mulher simples” difere no saber do “homem e da mulher culta”. Recorrentemente usamos, respectivamente, as expressões “senso comum”[4]e “conhecimento científico” para diferenciar esses saberes; muitas vezes com pretenções equivocadamente hierarquizantes. Os saberes não devem ser estratificados. Tratar nossos discentes como dotados de saberes inferiores (ou desprovidos de saber) pouco ajudará no processo de ensino-aprendizagem. Importa ampliar os saberes dos discentes para que tenham liberdade; para não serem subjulgados e viverem plenamente nos mundos que desejarem. Não é uma questão de romper com o “senso comum” dos estudantes, mas superá-lo, dotando-os de condições para “jogar” em pé de igualdade com os demais homens e mulheres, sobretudo com aqueles que possam tentar inferiorizá-los, coisificá-los ou dominá-los. O ensino de Sociologia realizado em diálogo visa fomentar o empoderamento, o que se dá com o respeito e reconhecimento das potencialidades de cada discente. Nenhum ensino depositário é respeitoso e reconhecedor das virtudes do outro. Na relação dialógica acessamos o universo temático (ou a temática significativa) dos homens (FREIRE, 2019) e dele tomamos os temas geradores[5]do processo de ensino-aprendizagem, este tornar-se-á mais significativo.
Entendemos que o diálogo é como uma ponte que liga mundos. Considere que uma ponte – o diálogo – tem, ao menos, duas pontas cujas direções são de mão dupla. Por meio do diálogo o(a) professor(a) deve conhecer o mundo de seus discentes (sobretudo suas situações-limites), assim como conduzi-los ao outro lado; à outra ponta possível (ao inédito viável). Estamos falando em usar essa ponte em sua dupla direção. Embora pareça um mero jogo de palavra, inferimos que quem ensina sempre aprende e é aprendendo que se ensina. No diálogo possibilitamos a co-autoria do conhecimento produzido, dando-lhe mais sentido por torná-lo nosso. Assim, o ensino de Sociologia deixa de ser um colonizar o pensar do outro, o que seria, em alguma medida, uma espécie de invasão cultural. A prática de ensino-aprendizado enquanto diálogo se configura como o encontro dos homens para ser mais, como preconizava Freire (2019).
Notas:
* Texto originalmente publicado como apresentação do volume 4, número 1, dos Cadernos da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (ABECS) (AQUI ou AQUI)
[1] Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Docente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e do centro de Educação da Universiade Federal de Alagoas (UFAL). E-mail:cristianobodart@gmail.com
[2] Importa destacar que em geral o(a) pesquisador(a) é também educador-educando (FREIRE, 2019), atuando no ensino superior. Usamos o termo composto “educador-educando” cunhado por Freire (2019) por considerar que a docência dá-se no processo de ensino-aprendizagem, ou seja, se ensina aprendendo e se aprende ensinando.
[3] Grosso modo, inédito viável seria, para Freire (2015, p.50), “a superação desta percepção fatalista por outra, crítica, capaz de divisar mais além destas situações [de situações-limites]”. Ou ainda, “a materialização historicamente possível do sonho almejado. É uma proposta prática de superação, pelo menos em parte, dos aspectos opressores percebidos no processo de conhecimento que toma como ponto de partida a análise crítica da realidade” (FREITAS, 2005, p. 6).
[4] Importa chamar atenção para o fato de que nem todo o saber que recorrentemente é denominado de senso comum é mágico ou ingênuo, sobretudo em contexto de popularização dos saberes científicos, o que vem ocorrendo de diversas maneiras, tais como por meio de programas de jornais, manifestações artísticas e redes sociais.
[5] Por “temas geradores” compreendemos como sendo temas extraídos dialogicamente do universo temáticos dos educandos em forma de problematização, existindo neles, produto da relação deles com o mundo e que “brotam” justamente do mundo vivido dos homens. (FREIRE, 2019).
Referências
FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia😮 cotidiano do professor. Trad. Adriana Lopes. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 15. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 71º ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.
FREITAS, Ana L. S. Prefácio. In: FREIRE, Paulo (Org.). Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo: Paz e Terra, 2014. p. 39-45.
COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO
BODART, Cristiano das Neves. Precisamos dialogar sobre o (e no) ensino de Sociologia.Revista Cadernos da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais. CABECS, Rio de Janeiro, v.4, n. 1, p.05-15, 2020.