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A ocidentalização do mundo como contraponto à noção de globalização

Ocidentalização
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A ocidentalização do mundo como contraponto à noção de globalização

Por Cristiano das Neves Bodart

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Ocidentalização – Vivemos um período marcado pela intensificação dos fluxos de pessoas, ideias, mercadorias e capitais entre diferentes regiões do planeta. Esse fenômeno, amplamente conhecido como globalização, é muitas vezes apresentado como um processo de integração mundial simétrico e benéfico a todos. No entanto, essa representação ignora as profundas assimetrias de poder envolvidas, uma vez que tais fluxos se orientam, em grande medida, a partir de valores, práticas e interesses oriundos do chamado Ocidente.

Segundo Zygmunt Bauman (1998), o discurso dominante sobre a globalização dissimula a existência de um centro hegemônico responsável por ditar normas e diretrizes ao restante do mundo. Essa centralidade, porém, opera de maneira velada, por meio do que o autor denomina “forças anônimas”, que tornam opacas as relações de dominação e contribuem para a naturalização das desigualdades globais. Ao contrário da narrativa que enxerga a globalização como um processo harmonioso de aproximação entre Estados e culturas, Bauman sustenta que ela reflete, em escala planetária, as configurações estruturais e assimétricas do mundo contemporâneo.

O conceito de oposição

Diante disso, o conceito de ocidentalização surge como uma ferramenta analítica mais precisa para compreender o caráter desigual desse processo. Ele destaca a imposição – muitas vezes naturalizada – de padrões culturais, econômicos e institucionais ocidentais sobre outras sociedades. Essa imposição se realiza por meio de discursos que exaltam a modernização e o desenvolvimento, mas que, na prática, deslegitimam formas alternativas de vida, organização social e racionalidade econômica.

O termo foi amplamente discutido por Serge Latouche, economista e pensador francês, em sua obra A Ocidentalização do Mundo: Ensaio sobre a Significação, o Alcance e os Limites da Uniformização Planetária, publicada originalmente em 1989 e traduzida para o português em 1994. Latouche propõe uma crítica contundente ao processo histórico de difusão global dos valores ocidentais, analisando suas consequências sobre diversas sociedades do planeta.

A partir de uma abordagem interdisciplinar, o autor aborda temas como colonização, aculturação, capitalismo, industrialização, nacionalismo e homogeneização cultural. Sua crítica concentra-se na ideia de um modelo único de desenvolvimento, que se apresenta como universal, mas que, na verdade, promove a descaracterização de culturas locais e a exclusão de outras formas possíveis de organização social e econômica.

Latouche também questiona o paradigma ocidental de crescimento econômico ilimitado, apontando suas implicações sociais, ambientais e existenciais. Como alternativa, propõe o conceito de decrescimento, que envolve a redução do consumo, a relocalização das economias e a valorização de formas de vida mais sustentáveis, equitativas e culturalmente diversas.

Sua proposta rompe com a lógica da acumulação e do consumismo, buscando orientar a vida social em torno do bem-estar coletivo, da qualidade de vida e da preservação ambiental. Ao valorizar saberes não ocidentais e modos de vida diversos, Latouche desafia a ideia de um progresso linear e homogêneo.

Outras críticas à Globalização

Para Aníbel Quijano (2005), a colonização esteve profundamente associada à imposição violenta de valores ocidentais sobre os povos originários, justificada pelo discurso civilizatório da modernidade e pela suposta missão de “salvar os bárbaros”. Já no contexto contemporâneo, as periferias globais, inseridas na ordem internacional a partir de uma condição de subdesenvolvimento, frequentemente adotam modelos de desenvolvimento e valores culturais impostos pelos centros hegemônicos, sob a promessa de modernização (Ayerbe, 2003). Tal adesão contribui para a manutenção da desigualdade estrutural no sistema mundial, gerando a constituição de centros e periferias.

No Brasil, as críticas à ocidentalização e à globalização hegemônica encontram ressonância em diversos estudos. Por exemplo, Batista Jr. (1998) argumenta que a globalização contemporânea reproduz elementos da lógica colonial, perpetuando desigualdades históricas e consolidando a cultura ocidental como centro simbólico de dominação. Para o autor, trata-se de um processo que torna a dominação quase invisível, dificultando sua problematização e resistência.

Assim, a obra de Latouche convida à reflexão sobre os limites do modelo civilizatório ocidental e à construção de alternativas que valorizem a pluralidade cultural, a justiça social e o equilíbrio ecológico. Pensar a ocidentalização do mundo é, portanto, repensar os próprios fundamentos do mundo globalizado em que vivemos. O conceito de ocidentalização não apenas se propõe como uma alternativa para a compreensão do fenômeno global, como também formula uma crítica contundente aos pressupostos que sustentam a noção de globalização.

Referências

AYERBE, Luis Fernando. O Ocidente e o Resto: a América Latina e o Caribe na cultura do Império.

Buenos Aires: Editora CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2003.

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

BATISTA JÚNIOR, Paulo Afonso Velasco. A globalização como nova forma de colonialismo: a reafirmação da mentalidade colonial na periferia. Leopoldianum: Revista de Estudos e Comunicações da Universidade Católica de Santos, Santos, v. 24, n. 64, p. 35-50, 1998. Disponível em: https://periodicos.unisantos.br/leopoldianum/article/view/817. Acesso em: 30 abr. 2025.

LATOUCHE, Serge. A ocidentalização do mundo: ensaio sobre a significação, o alcance e os limites da uniformização planetária. Tradução de Paulo Neves. Petrópolis: Vozes, 1994.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidad y Modernidad/Racionalidad. Pcnlindig. v. 13, n. 29, p.11-20, 1992.

Atividades

  1. Explique o conceito de “ocidentalização do mundo”conforme discutido por Serge Latouche. Em que medida esse conceito complementa ou critica a ideia de globalização?
  1. Em sua obra, Serge Latouche propõe o “decrescimento”como alternativa ao modelo ocidental de desenvolvimento. Quais são os fundamentos dessa proposta e que críticas ela dirige ao atual modelo econômico dominante?
  1. De que forma o processo de ocidentalização pode ser considerado uma forma contemporânea de colonialismo cultural? Relacione com o contexto brasileiro.
Atividades em grupo
  1. Dividir a turma em dois grupos: um defenderá a globalização como um processo positivo de integração; o outro grupo defenderá a tese da ocidentalização como imposição cultural e econômica.Em um segundo momento, estudante escreve um pequeno texto apresentando o que pensa sobre o assunto.
  1. Em grupo deaté 4 estudantes, escolha um país (não ocidental) e pesquisa elementos culturais ocidentais presentes nesse país (moda, mídia, língua, arquitetura, consumo etc.), relacionando com o conceito de ocidentalização. Produza um cartaz (ou apresentação digital) com análise crítica, incluindo imagens e referências.

 

 

Como citar este texto:

BODART, Cristiano das Neves. A ocidentalização do mundo como contraponto à noção de globalização. Blog Café com Sociologia. Mai. 2025. Disponível em: https://cafecomsociologia.com/ocidentalizacao

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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