Pensar sociologicamente: contribuições de Z. Bauman e T. May

pensar sociologicamente

Pensar sociologicamente: contribuições de  Z. Bauman e T. May

Por Cristiano das Neves Bodart

Cristiano Bodart é doutor em Sociologia (USP) e professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

O livro “Aprendendo a Pensar com a Sociologia”, de Zygmunt Bauman e Tim May (originalmente publicado em 2001 e traduzido no Brasil em 2010), é daqueles que enquadro entre as leituras obrigatórias de alguém que deseja estudar a perspectiva sociológica, independente da área de interesse dentro dessa ciência. Trata-se de uma obra introdutória à análise dos fenômenos sociais.

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Não pretendo fazer aqui uma resenha, mas trazer alguns pontos que julgo serem esclarecedores em relação a proposta do livro, sobre tudo àquelas apontadas na introdução e no primeiro capítulo da obra: pensar sociologicamente.
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Na Sociologia sempre esteve presente a discussão entre indivíduo e sociedade (agencia vs. estrutura), chegando ao ponto de estudiosos mais radicais, principalmente nas primeiras décadas do século XX, ignorar os estudos que tinham seu foco no indivíduo. Simmel, por exemplo, foi um sociólogo renegado por anos por esse motivo.  Bauman e May nos ajudam a entender em quais condições o indivíduo é objeto da Sociologia. Para esses autores “atores individuais tornam-se objeto das observações de estudos sociológicos à medida que são considerados participantes de uma rede de interdependência” (BAUMAN; MAY, 2011, p. 17).
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Nessa direção,

“Dissemos que a sociologia pensa de forma relacional para nos situar em redes de relações sociais. Faz, assim, uma apologia do indivíduo, mas não do individualismo. Nesse sentido, pensar sociologicamente significa entender de um modo um pouco mais completo quem nos cerca, tanto em suas esperanças e desejos quanto em suas inquietações e preocupações” (BAUMAN; MAY, 2010, p.26).

Olhar para os indivíduos sob uma perspectiva sociológica é buscar responder uma pergunta pertinente apontada pelos autores da obra  em questão: “Como nossas biografias individuais se entrelaçam com a história que partilhamos com outros seres humanos?” (BAUMAN, MAY, 2010, p. 20).
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Bauman e May chamam atenção para o fato de que temas da Sociologia são temas recorrentes nas rodas de conversas de populares não especialistas. Para eles, a Sociologia está muito próximo do assuntos tratados sob a perspectiva do senso comum porque é justamente da “realidade comum” de a Sociologia extrai seus temas de estudo. Por isso, os temas discutidos por populares e pelos sociólogos são, quase sempre, os mesmos.
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A proximidade entre a Sociologia e o senso comum é, por um lado benéfico à ciência e, por outro lado, motivo de preocupação. A proximidade torna a Sociologia atraente aos não iniciados. Tal proximidade, por outro lado, pode levar a análise sociológica se perder em explicações sem rigor sociológico, por influencia do senso comum.
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Bauman e May, ao apresentar as características do “olhar do senso comum” aponta que sob tal perspectiva sociológica,

 “[…] Sabemos por nossas experiências que somos ‘o autor’ de nossas ações, e que o que fazemos é efeito de nossas intenções, muito embora os resultados possam não corresponder ao que pretendíamos. […] a única maneira que temos para conferir sentido ao mundo humano à nossa volta é sacar nossas ferramentas explicativas estritamente no interior de nossos próprios mundos da vida”  (BAUMAN, MAY, 2010, p. 22).

 
Nota-se que os autores apontam como elemento característico do senso comum a tendência em olhar para o indivíduo como se ele estivesse em um “vácuo”, sem sofrer coerções e influências sociais, sem ser parte de uma construção histórica-social-econômica. Sob essa perspectiva o indivíduo é entendido como autônomo, “dono de seu futuro, passado e presente”. Para exemplificar, poderíamos citar a situação da criminalidade, onde, a partir do senso comum, os indivíduos são apontados como responsáveis exclusivos, atores autônomos de suas escolhas, independente da educação  (familiar, social e escolar) que teve acesso, assim como independente das condições históricas, econômicas e política que o cerca.
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Para Bauman e May sob a perspectiva do senso comum,
 

“Tendemos a perceber tudo que acontece no mundo em geral como resultado da ação intenciona de alguém, que procuramos  até  encontrar, acreditando, então que nossas investigações tiveram êxito. Assumimos que a boa vontade está por trás dos eventos para os quais somos favoravelmente predispostos e que há más intenções por trás daqueles que nos desagradam. Em geral, as pessoas têm dificuldade em aceitar que uma situação não seja efeito de ações intencionais de alguém identificável” (BAUMAN; MAY, 2010, p.22-23).

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Contrariamente a explicação do senso comum,

 “A sociologia se opõe tanto ao modelo que se funda na particularidade das visões de mundo,[…], quanto ao que usa formas inquestionáveis de compreensão, como se elas constituíssem um modo natural de explicação de eventos, como se eles pudessem ser simplesmente separados da mudança histórica ou das localidades sociais de que emergiram. […] a sociologia demonstra que a metáfora comum do indivíduo dotado de motivação como chave da compreensão do mundo humano – incluindo nossos próprios pensamentos e ações, minuciosamente pessoais e privados – não é caminho apropriado para nos entender e aos outros. Pensar sociologicamente é dar sentido à condição humana por meio de uma análise das numerosas teias de interdependência humana” (BAUMAN; MAY, 2010, p.22-23).

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Nota-se que para Bauman e May um ponto é chave para uma análise sociológica da realidade social: compreender os fenômenos como interligados em uma rede de
interdependência. Outro ponto chave apontado é a necessidade de olhar para o fenômeno em estudo com desfamiliaridade, quando for familiar e com alteridade
quando estranho ao pesquisador. Sobe esse ponto chave,

Pensar sociologicamente pode nos tornar mais sensíveis e tolerantes em relação à diversidade, daí decorrendo sentidos afiados e olhos abertos para novos horizontes além das experiências imediatas, a fim de que possamos explorar condições humanas até então relativamente invisíveis” (BAUMAN; MAY, 2010, p.22-23).

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Compreender a existência de conexão entre as liberdades individuais e coletivas permite desestabilizar as “ordens sociais”, abrindo os olhos para as condições sociais
que se sobrepõem aos indivíduos, indicando-os que a mudança social não é, ao contrário do que prega o senso comum, dependente exclusivamente das escolhas e
ações individuais, mas de uma mudança nas estruturas sociais. Tal percepção é uma ameaça ao status quo, por isso a Sociologia é vista pelos poderosos como uma ciência subversiva, o que explica sua ausência no currículo escolar durante regimes ditatoriais, como ocorreu no
Brasil.
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Referência
BAUMAN, Zygmunt; MAY, Tim. Aprendendo a pensar com a Sociologia. Trad. Alexandre Werneck. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
Publicado originalmente em 3 de agosto de 2013 às 15:43

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

2 Comments

  1. Ainda tem sido muito difícil despertar o olhar sociológico. Aprender a pesar sociologicamente demanda esforços, considerado demasiadamente grandes, por aqueles que estão acomodados com as situações vigentes de alienação e exploração.
    A luta deve ser constante, o esforço redobrado, pois, acovardar-se não é a melhor saída…
    Enfrentemos a realidade para sermos capazes de decidir, de forma consciente, o que realmente queremos…e de que forma podemos contribuir para mudanças significativas em prol de uma sociedade mais justa, mais igualitária, menos alienada e menos explorada.
    O papel do professor é de suma importância nesse processo de conscientização e de desnaturalização de "verdades" estabelecidas. Tudo tem um por quê, consequências, e com a sociedade, com as ações dos indivíduos, não é diferente.
    A Sociologia amplia horizontes para percebermos, diferentemente do senso comum, que não somos ilhas.

  2. Concordo plenamente, apesar da sociedade começar a dar amostras do desperta do pensamento, e da reflexão sobre a situação acomodada em que nos encontramos. Ha muito o que fazer para que se tenha cidadães pensantes que discutam e formem argumentos para que se desenvolva a sociedade, e através da sociologia que formaremos tais cidadães.

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