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A importância do capital cultural: contribuição de Pierre Bourdieu

capital cultural Bourdieu

O conceito de capital cultural, formulado por Pierre Bourdieu, revela como a cultura atua como um recurso simbólico estratégico na reprodução das desigualdades sociais. Veja neste texto como o capital cultural torna-se uma chave para compreender a manutenção das hierarquias sociais sob a aparência de neutralidade e equidade.

 

Por Cristiano das Neves Bodart

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O Conceito…

O conceito de Capital Cultural foi cunhado por Pierre Bourdieu em seus estudos sobre a reprodução social e o papel da escola nesse processo. Convencido de que o capital econômico não era o único tipo de capital mobilizado pelos indivíduos para reproduzir privilégios e distinção social, Bourdieu desenvolveu a ideia de que a cultura é um bem simbólico cuja posse facilita ainda mais sua acumulação e, dependendo do espaço social, proporciona distinção social ao seu possuidor. Assim, quanto mais capital cultural uma pessoa possui, maiores são as condições para acumular ainda mais esse tipo de capital.

Ao observar o desempenho de crianças em idade escolar, Bourdieu notou que o estoque de capital cultural delas diferia conforme a classe social de origem. Considerando o capital cultural um “arbitrário cultural”, percebeu que as crianças que chegavam à escola com um capital cultural valorizado no ambiente escolar eram mais recompensadas pelos professores e tinham melhores condições de absorver o que estava sendo ensinado, já que isso não era algo estranho a suas vidas cotidianas. Por outro lado, as crianças das classes populares, além de não apresentarem “docilidade”, não viam os conteúdos escolares como atrativos, devido à distância desses conteúdos de suas realidades cotidianas. Em outras palavras, algumas crianças tinham uma predisposição para aprender, enquanto outras não. Além disso, os professores estavam mais propensos a dar boas notas às crianças cujo comportamento se parecia com os seus. Para Bourdieu, o capital cultural previamente disponível era um elemento importante nessa predisposição e, consequentemente, no sucesso ou insucesso dos estudantes.

 

As três formas de capital cultura

É importante destacar que para Bourdieu o capital cultural pode existir sob três formas. São elas:

[…] no estado incorporado, ou seja, sob a forma de disposições duráveis do organismo; no estado objetivado, sob a forma de bens culturais – quadros, livros, dicionários, instrumentos, máquinas, que constituem indícios ou a realização de teorias ou de críticas dessas teorias, de problemáticas, etc.; e, enfim, no estado institucionalizado, forma de objetivação que é preciso colocar à parte porque, como se observa em relação ao certificado escolar, ela confere ao capital cultural – de que são, supostamente, a garantia – propriedades inteiramente originais (Bourdieu, 1979, p. 2).

O capital cultura no estado incorporado refere-se ao capital cultural interiorizado pelo indivíduo sob a forma de disposições duráveis, ou seja, hábitos, saberes, competências, gostos e modos de pensar e agir que foram adquiridos ao longo do tempo, especialmente durante a socialização primária e escolar. Esses saberes estão “incorporados” no corpo e na mente e não podem ser transmitidos instantaneamente, pois exigem tempo e investimento de si. Um exemplo seria a fluência linguística cultivada, ou o domínio de um vocabulário técnico ou erudito, que se torna parte da maneira de ser da pessoa.

O capital cultura no estado objetivado diz respeito ao capital cultural que existe sob a forma de objetos materiais, como livros, quadros, instrumentos científicos ou musicais, obras de arte etc. Esses bens são portadores de sentido cultural, mas o simples acesso a eles não garante sua apropriação efetiva. Para que esses objetos funcionem como capital cultural, é necessário que o sujeito tenha o capital incorporado que permita interpretá-los, utilizá-los e valorizá-los corretamente.

Já o capital cultura no estado institucionalizado refere-se a forma  reconhecida oficialmente por instituições, sobretudo o sistema escolar, como ocorre com títulos, diplomas e certificados. Esses documentos legitimam formalmente a posse de determinado saber ou competência e conferem autoridade socialmente reconhecida ao seu detentor, independentemente da efetiva incorporação de conhecimentos. Além disso, o capital cultural institucionalizado pode ser convertido em capital econômico ou social, pois atua como uma espécie de moeda no mercado de trabalho, por exemplo.

Pierre Bourdieu desafiou a visão predominante que atribuía à escola um papel central na construção de uma sociedade nova, justa, moderna, aberta e democrática. Ele evidenciou que, na realidade, a escola reproduzia as desigualdades sociais existentes. Com as contribuições de Bourdieu, o otimismo característico do período anterior foi substituído por uma postura mais pessimista, pelo menos em relação ao modelo de escola vigente na França. Esse novo entendimento provocou uma reavaliação crítica sobre o papel das instituições educacionais na perpetuação das estruturas de poder e privilégio.

Nas palavras de Pierre Bourdieu:

Não há dúvida de que os julgamentos que pretendem aplicar-se a pessoas em seu todo levam em conta não somente a aparência física propriamente dita, que é sempre socialmente marcada (através de índices como corpulência, cor, forma do rosto), mas também o corpo socialmente tratado (com a roupa, os adereços, a cosmética e, principalmente, as maneiras e a conduta) (1998, p. 193).

Portanto, a família desempenha um papel fundamental na transmissão do capital cultural e, consequentemente, no sucesso ou insucesso profissional dos filhos. O capital cultural adquire significativa relevância na definição da estratificação social, seja através do sucesso escolar ou profissional, seja por meio do matrimônio, uma vez que grupos sociais tendem a estabelecer relações entre indivíduos que possuem volumes similares de capital cultural. Frequentemente, a posse desse capital está associada a outros tipos de bens simbólicos, como o capital social e econômico, reforçando as dinâmicas de poder e privilégio nas sociedades.

É importante destacar que Bourdieu analisava a educação francesa no início da segunda metade do século passado. Pensar as realidades escolares atuais a partir das contribuições desse sociólogo exige considerar os aspectos específicos dos contextos estudados, respeitando suas singularidades. Ou seja, não se deve reproduzir de forma acrítica o conceito de capital cultural, elaborado para um determinado contexto francês, ainda que ele se mostre bastante fecundo para outras análises.

A importância…

O conceito de capital cultural, desenvolvido por Pierre Bourdieu, revela-se fundamental para a compreensão dos mecanismos de reprodução das desigualdades sociais. Ao evidenciar que a cultura legitimada pela escola é, na verdade, a cultura das classes dominantes transformada em capital simbólico, o conceito permite desnaturalizar os critérios de valorização cultural impostos de forma arbitrária. Dessa forma, o capital cultural constitui um instrumento analítico para problematizar o papel da escola na legitimação das hierarquias sociais, contribuindo para a reflexão sobre as formas sutis de violência simbólica presentes no campo educacional.

Referências Bibliográficas

BOURDIEU, Pierre. Les trois états du capital culturel. Actes de la recherche en sciences sociales, Paris, n. 30, nov. p. 3-6, 1979.

BOURDIEU, Pierre. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998.

Como citar este texto:

BODART, Cristiano das Neves. A importância do capital cultural: contribuição de Pierre Bourdieu. Blog Café com Sociologia. jan. 2010. Disponível em:< https://cafecomsociologia.com/importancia-do-capital-cultural/> Acessado em: dia mês ano.

Bônus:

DICA: Assista uma entrevista com o professor Dr. José Marciano Monteiro sobre o pensamento de Pierre Bourdieu AQUI

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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