Para entender de uma vez o que é “coesão social”

conceito de coesão social

Conceito de coesão social: noções gerais

Por Cristiano das Neves Bodart*

Cristiano das Neves Bodart
Cristiano das Neves Bodart é doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP)

O termo “coesão social” é amplamente utilizado, porém muitas vezes sem a devida compreensão conceitual. É comum, por exemplo, ouvirmos que “um determinado grupo não tem coesão social”; ou que, “a coesão social é garantia para uma sociedade melhor”. Ambas as frases são equivocadas.

O conceito sociológico de coesão social (mais comum e utilizado) está relacionado a uma espécie de estado pelo qual os indivíduos mantêm-se unidos, integrados em um grupo social, ou, simplesmente, o estado de integração coesa do grupo social.

Para a existência desse estado é necessário que cada um dos indivíduos tenha motivação, esta pode ser de diversas naturezas, tais como àquela provocada pelas coerções sociais (de vários tipos), pelas regras de reciprocidade, pela consciência coletiva, pela solidariedade e por carências ontológicas.

Notamos que há coesão social quando temos um grupo composto por indivíduos que compartilham objetivos, ações, ideias e crenças. É esse compartilhamento que possibilita a existência do grupo. O inverso de coesão social seria a desintegração social, o que causaria a consequente extinção do grupo social.

 

Conceito de coesão social e solidariedade em Durkheim

É a coesão social que possibilita as solidariedades orgânica (nas sociedades complexas) e mecânica (nas sociedades simples). A solidariedade, por sua vez, amplia a coesão social. Em outros termos, um indivíduo só colabora com a sociedade, envolvendo-se em uma atividade econômica, por exemplo, porque está ligado ao grupo e ao colaborar fortalece essa ligação em um estado de reciprocidade. Claro que esse interesse em colaborar é também fruto de coerções sociais, tais como as determinações jurídicas, da consciência coletiva que direciona, em grande medida, o agir e pensar dos indivíduos e da necessidade psíquica de viver em grupo.

Não há grupo social que não tenha coesão social. O que existe são grupos mais ou menos coesos. A coesão é elemento constituinte do grupo social.

A coesão social é fundamental para que tenhamos uma sociedade melhor. Sem coesão teremos um estado de anomia e uma desintegração social, por isso ela deve ser objeto de políticas públicas. Contudo, nem toda coesão social promove o bem social geral (para além do grupo). Há exemplos históricos de coesão social que trouxeram perdas lastimáveis à humanidade, tais como o nacionalismo alemão e italiano da primeira metade do século XX. Outro exemplo mais próximo de nosso cotidiano são algumas torcidas organizadas de futebol que promovem a violência.

Viver em sociedade exige mais do que apenas partilhar um mesmo espaço físico. Exige um certo “acordo coletivo” sobre como nos comportar, como nos comunicar e como conviver com as diferenças. É justamente aí que entra o conceito de coesão social: a cola invisível que mantém as pessoas unidas, mesmo em meio às desigualdades e aos conflitos do cotidiano.

Conceito de coesão social: Exemplos cotidianos

o conceito de coesão social pode ser entendida como a força que dá estabilidade às relações sociais, garantindo que, apesar das tensões, ainda consigamos conviver, cooperar e construir um projeto de vida em comum. Essa coesão se manifesta, por exemplo, quando respeitamos as filas, quando ajudamos alguém desconhecido, ou mesmo quando nos indignamos diante de uma injustiça — tudo isso revela que partilhamos valores, regras e expectativas sociais.

De acordo com Émile Durkheim, um dos pais da Sociologia, essa coesão é sustentada por normas sociais que orientam o comportamento coletivo. Para ele, essas normas representam uma “consciência coletiva”, ou seja, um conjunto de crenças e valores compartilhados por uma sociedade que garante sua harmonia e continuidade. Quando essa consciência se enfraquece, entramos num estado de desordem, chamado por ele de anomia (Durkheim, 1999).

Já Talcott Parsons complementa essa ideia ao destacar que a coesão social depende da socialização. Ou seja, aprendemos desde cedo, em casa, na escola e nos grupos sociais, como devemos nos comportar para sermos aceitos e compreendidos. Isso não é apenas uma questão de disciplina, mas de pertencimento: ao seguir as normas sociais, nos sentimos parte de algo maior (Parsons, 2011).

No entanto, nem todos veem a coesão social de forma tão harmoniosa. Para Karl Marx, por exemplo, as normas que promovem essa “união” social muitas vezes funcionam como mecanismos de dominação. Elas não são neutras: estão a serviço dos interesses da classe dominante, que as utiliza para manter o poder sobre os mais pobres e para disfarçar as desigualdades com a aparência de ordem (Marx, 2013).

Michel Foucault vai além, ao afirmar que as normas sociais moldam não apenas nossos comportamentos, mas até mesmo nossos pensamentos e desejos. Ou seja, a coesão social pode ser resultado de um processo sutil de vigilância e controle que nos faz agir “corretamente” mesmo quando ninguém está olhando (Foucault, 2014).

Portanto, pensar sobre coesão social é também refletir sobre como as regras de convivência são construídas, quem as define e quem se beneficia delas. É importante perceber que essas normas não são eternas nem imutáveis — elas podem (e devem) ser debatidas, criticadas e, quando necessário, transformadas.

Afinal, uma verdadeira coesão social não deve se basear apenas em obediência, mas em justiça, respeito mútuo e participação democrática na construção das regras que regem nossa convivência.

Referências:

DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

MARX, Karl. O capital. São Paulo: Boitempo, 2013.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2014.

PARSONS, Talcott. O sistema social. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.

BODART, Cristiano das Neves. Normas sociais: entre coesão social e dominação. Blog Café com Sociologia, 2023.

*Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo/USP. Editor do “Blog Café com Sociologia”.

 

 

Como citar esse texto:

BODART, Cristiano das Neves. O conceito de coesão social. Blog Café com Sociologia. 2016. Disponível em: <https://cafecomsociologia.com/para-entender-de-uma-vez-o-que-e-coesao-social/>.

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Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

7 Comments

  1. Ótimo artigo, com certeza irei citá-lo… Muitíssimo obrigada por disponibilizar conteúdos de tamanha qualidade!

  2. Olá, Gostaria de alertá-lo da ambivalência entre esclarecimento inicial deste artigo, e a argumentação final:
    “É comum, por exemplo, ouvirmos que “um determinado grupo não tem coesão social”; ou que, “a coesão social é garantia para uma sociedade melhor”. Ambas as frases são equivocadas.”
    Parte final:
    “A coesão social é fundamental para que tenhamos uma sociedade melhor. Sem coesão teremos um estado de anomia e uma desintegração social, por isso ela deve ser objeto de políticas públicas. ”

    Ótimo artigo.

    Att.

    • Na verdade, acredito eu que, o seu entendimento das partes do texto foi um tanto superficial. No primeiro ele citou exemplos de frases comumente usadas pelas pessoas de forma errônea, na frase “a coesão social é garantia para uma sociedade melhor”, leva a entender que a pessoa acredita que não existe coesão social na sociedade onde vive, mas no ultimo paragrafo na parte “A coesão social é fundamental para que tenhamos uma sociedade melhor. Sem coesão teremos um estado de anomia e uma desintegração social, por isso ela deve ser objeto de políticas públicas.”, o autor do texto quis dizer que, ela é fundamental para a vida em sociedade, em hora nenhuma ele negou isso ou colocou palavras que levam a este entendimento, ele somente definiu de forma mais sucinta a importância da coesão social.

    • minha pergunta, não tem relação com o presente assunto.Só queria saber se contatos primários é o mesmo que contatos diretos

  3. Acho, pelo meu entendimento, que contatos primários na grande maioria, ocorrem na forma de contatos diretos, se for entender contato primario como “face a face”. Certo?

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