Por Cristiano das Neves Bodart
Nos últimos anos, o Ensino de Sociologia tem ganhado destaque como área de pesquisa no Brasil, especialmente no interior das Ciências Sociais. Há duas décadas, a pesquisa sobre esse tema era quase inexistente, hoje constitui um subcampo científico em expansão. Mas quem tem sustentado esse crescimento? Em uma pesquisa que publiquei, em 2024, intitulada As mulheres e o subcampo do Ensino de Sociologia, trouxe uma resposta clara: são prioritariamente as mulheres que, coletivamente, têm protagonizado a consolidação dessa área.
Utilizando ferramentas da cienciometria e os conceitos da Teoria do Campo de Pierre Bourdieu, investiguei a produção científica sobre o Ensino de Sociologia no Brasil, com foco na participação de pesquisadoras. A análise abrangeu 942 publicações em periódicos com ISSN, identificadas por meio de uma busca no Google Scholar, que envolveu 6.157 registros e o uso de dezenas de descritores específicos.
Um panorama da produção: protagonismo feminino desde as origens
Nesse estudo revelei que as mulheres compõem 56,63% do total de autoras e autores identificados nas publicações analisadas – e, mais do que isso, assinam 60,49% dos papers publicados sobre o tema. Esse protagonismo é consistente tanto no período inicial do subcampo (até 2012) quanto no período mais recente (2013 a julho de 2023), sinalizando uma presença constante e estruturante.
Durante a origem do subcampo do Ensino de Sociologia, por exemplo, a participação feminina já era superior à masculina, com 57,79% de autoras. Esse dado contrasta fortemente com a tradição masculina na autoria de manuais escolares de Sociologia até meados do século XX – um campo em que as vozes femininas eram praticamente ausentes.
Mesmo com o crescimento do prestígio da área nos últimos anos, a presença das mulheres não diminuiu. Pelo contrário: em 2023, elas seguiram majoritárias, representando 57,09% dos autores. Além disso, a análise da produtividade ao longo do tempo mostra uma estabilidade na produção feminina, mesmo em contextos desafiadores como a pandemia da Covid-19, quando o trabalho acadêmico foi duramente impactado – sobretudo para mulheres que precisaram conciliar atividades profissionais com as domésticas.
Capital científico puro e institucional: trajetórias de destaque
Para além do volume de produção, analisei parte do capital científico das pesquisadoras. As dez mulheres que mais publicaram sobre Ensino de Sociologia foram responsáveis por 92 artigos, além de capítulos de livros, obras organizadas, entrevistas e apresentações de dossiês. Elas também orientaram mais de 100 trabalhos de conclusão de curso, mostrando uma importante atuação na formação de novas gerações de pesquisadoras.
Essas autoras, embora majoritariamente atuantes em instituições públicas e em programas de pós-graduação, não recebem bolsas de produtividade em pesquisa do CNPq, um dado alarmante diante da qualidade e relevância de sua produção. Essa ausência reflete desigualdades estruturais no sistema científico brasileiro, como mostram os dados de 2021: apesar de uma paridade de gênero entre doutores e doutoras no país, apenas 5.217 mulheres possuíam bolsas PQ, frente a 9.534 homens.
Quem são essas pesquisadoras?
O artigo dedica uma seção para apresentar as dez mulheres mais produtivas no subcampo. Entre elas estão: Joana Elisa Röwer (Unilab); Ileizi Luciana Fiorelli Silva; Rafaela Oliveira (UFJF); Ângela Maria de Sousa Lima (UEL) Ligia Eras (IFSC), Alessandra Wieczorkievicz (Seduc-RS); e Ana Martina Baron Engerroff (Seduc-SC).
Por que isso importa?
A contribuição das mulheres ao subcampo do Ensino de Sociologia não é apenas numericamente expressiva. Ela impacta diretamente a formação de professores, a produção de livros didáticos, o currículo escolar e os rumos das licenciaturas em Ciências Sociais, além de reforçar o papel social da disciplina na educação básica. Ou seja, a produção científica dessas pesquisadoras tem efeitos concretos na sala de aula e na qualidade da educação brasileira.
Ainda assim, o reconhecimento institucional – em forma de bolsas, financiamento e prestígio – segue aquém do merecido. O estudo evidencia que as mulheres têm mantido o protagonismo no subcampo, mesmo enfrentando as barreiras simbólicas e estruturais que caracterizam o meio acadêmico.
Para onde seguir?
É urgente reconhecer as trajetórias das mulheres no campo científico. Isso exige políticas de incentivo à equidade de gênero e de combate ao epistemicídio – o apagamento sistemático do conhecimento produzido por grupos historicamente marginalizados.
Além disso, a pesquisa indica a necessidade de novos estudos que incluam variáveis interseccionais, como raça e classe, hoje ausentes na base de dados da Plataforma Lattes. É fundamental que as próximas etapas de análise aprofundem as trajetórias dessas mulheres, suas redes de colaboração e suas estratégias para conquistar distinção em um espaço ainda marcado por desigualdades.
Deixo o convite para que leia o artigo completo na revista Tensões Mundiais e conheça as vozes femininas potentes que estão moldando o Ensino de Sociologia no Brasil.
Referências
BODART, Cristiano das Neves. As mulheres e o subcampo de pesquisa do Ensino de Sociologia. Tensões Mundiais, [S. l.], v. 20, n. 44, p. 311–342, 2024. Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/tensoesmundiais/article/view/11251 .
Como citar este texto:
BODART, Cristiano das Neves. O papel das mulheres no subcampo de pesquisa do Ensino de Sociologia. Blog Café com Sociologia, jun. 2025. Disponível em: https://cafecomsociologia.com/as-mulheres-no-ensino-de-sociologia/