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Uma Antropologia da Educação em tempos de (in)segurança virtual

Educação e Tecnologia

Antropologia da Educação

Por Marcus Bernardes

Marcus Bernardes
Marcus Bernardes e mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal de Goiás. Professor de Ciências Sociais do Centro Universitário FG – UniFG. Membro da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (ABECS).

O espaço da sala de aula, independente da área do conhecimento refletido, é o espaço do encontro e também do reconhecimento de um amplo espectro de racionalidades. A alteridade, conscientemente trabalhada, é fundamental para as relações entre professoras(es) e estudantes que constroem saberes dialógicos e artesanais, microscópicos e universais, implicados na dialética de Paulo Freire de ensinar e aprender[1]. Através do contato, convívio e experiência é urgente desnaturalizar discriminações de toda ordem (raça, classe, gênero, sexual, etc.) candentes da sociedade brasileira, temas pertinentes à Antropologia da Educação.

A alteridade na educação é a visão do trabalhador da educação como um profissional das interações humanas, como diz Maurice Tardiff[2]. A sala de aula e a escola, por consequência, mais do que instituições formais de ensino, são espaços de encontro e socialização e, por isso mesmo, inevitavelmente de conflitos; o local a serem discutidas questões sobre diferenças e como equalizar os conflitos.

Diante do exposto em relação à necessidade do contato para o nosso desenvolvimento cognitivo e cultural, como fica a educação em tempos de confinamento devido à pandemia de COVID-19?

A educação à distância e a educação remota on-line, em suas múltiplas ferramentas, têm se mostrado uma alternativa para a continuidade de atividades em escolas e universidades. As(os) professoras(es) das mais diversas áreas estão se debruçando sobre tecnologias nunca antes utilizadas por eles. As(os) estudantes se esforçam para continuar os estudos sem uma rotina coercitiva do ambiente escolar e se habituam também a novas plataformas virtuais. Os ambientes virtuais, antes paliativos ou complementares, agora se transformam no palco principal.

Dessa forma, pensemos brevemente sobre questões de segurança.

O que realmente sabemos sobre a rede mundial de computadores? O que sabemos sobrehardwarese softwares? Universidades tem setores de Tecnologias de Informação, mas as(os) professoras(es) estão munidas(os) de conhecimentos técnicos sobre o funcionamento básico de computadores e programas? Quais as vulnerabilidades de utilizar equipamentos pessoais (notebooks, celulares) para a continuidade do trabalho docente?[3] Temos discussões antigas sobre questões de segurança na internet[4] e o momento exige que repensemos o nosso conhecimento (ou a sua falta) em relação as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs).

Destarte, é fundamental que, enquanto docentes, cada vez mais estejamos atentas(os) às propostas de softwareslivres[5]pelo menos por cinco razões:

  1. Os softwareslivres não estão vinculados a uma empresa no sentido do Capital monopolista, não há vendas de informação[6];
  2. Os softwareslivres possuem código aberto, portanto, ao entender o funcionamento do programa é possível modificá-lo e adaptá-lo a um uso mais específico;
  3. O código aberto também permite uma maior curiosidade de funcionamento por parte das(os) estudantes e uma maior possibilidade de aprendizado em Linguagem de Programação;
  4. Fortalecer o movimento softwarelivre significa democratizar o conhecimento de uma linguagem extremamente comum, porém praticamente desconhecida em termos de funcionamento por grande parte da população;
  5. As relações entre educação e softwarelivre implicam em valores derivados da perspectiva de educar para a alteridade: compartilhamento e responsabilidade social.

Eis o momento crucial para refletir de forma sistemática sobre a Linguagem de Programação e a Cibercultura como conteúdos curriculares obrigatórios na educação básica brasileira e suas efetivas relações transdisciplinares, reafirmando a importância da Sociologia Escolar, que atualmente tem sido alvo de reduções de carga horária e imprecisões legislativas. A sociologia escolar traz muitas contribuições da Antropologia da Educação, ajuda a ampliar pontos de vistas e soluções sobre os problemas educacionais da realidade brasileira.

Precisamos, ainda, vencer fortes barreiras de inclusão digital. Nossas múltiplas desigualdades também envolvem diferentes acessos (ou ausências) em torno de computadores, aparelhos telemáticos, acesso à internet e conhecimento destas ferramentas. Contudo, a falta de estrutura e precarização da nossa escola pública não podem ser argumentos – ainda que importantes e urgentes – ceifadores de uma reflexão dessa natureza. Em paralelo a uma efetiva política pública de inclusão digital, é possível iniciar tais discussões a partir de celulares utilizados por estudantes de escolas urbanas e rurais.

Como toda educação, esta adequação às novas tecnologias é um processo, demanda tempo e vontade política. Estamos diante de uma escolha entre continuar com a utilização desenfreada e cega dessas novas tecnologias ou começar a compreender como este novo mundo está funcionando e ir além do aparente, ou seja, por um momento, deixar para trás o universo multicores e entender como se organizam o zero (0) e um (1) através de uma nova linguagem. Se a proposta não começar pelos trabalhadores da educação (e movimentos sociais em geral)… De onde virá? Esta é uma reflexão das tantas que a Antropologia da Educação ajuda a elucidar.

 

Notas:

[1] FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.

[2] TARDIF, M.; LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Petrópolis: Editora Vozes, 9. Ed., 2014.

[3] A ferramenta Zoom foi bloqueada pela Anvisa por apresentar falhas graves de segurança nas últimas semanas: http://portal.anvisa.gov.br/noticias/-/asset_publisher/FXrpx9qY7FbU/content/solucao-zoom-bloqueada-na-anvisa/219201

[4] Sobre segurança e democracia: https://apublica.org/2019/03/como-a-internet-esta-matando-a-democracia/

[5] Software livre e Educação: https://www.gnu.org/education/education.pt-br.html

[6] O Google tem investido em vários tipos de ferramentas específicas para o mundo da educação. Sobre grandes empresas e monopólio de informações: https://wikileaks.org/google-is-not-what-it-seems/

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

1 Comment

  1. Uma reflexão bem pertinente pra hoje e pro amanhã. Nos meios digitais, a educação também precisa acompanhar tanto quanto a indústria do entretenimento. A educação pode salvar.

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