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Mitos sobre o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)

Mitos sobre o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)

Thiago de Jesus Esteves[1]

 Criado pela Portaria nº 438/1998 (BRASIL, 1998) do Ministério da Educação (MEC), o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tinha como objetivo inicial avaliar o desempenho dos(as) estudantes concluintes da educação básica. Ao longo do tempo esta avaliação passou por uma série de mudanças, tanto de concepção como estruturais, dentre as quais as mais significativas ocorrem com a publicação da Portaria nº 462/2009 (BRASIL, 2009) do MEC.

Dentre outras alterações, a partir de 2009, o Enem passou a ser utilizado como exame de seleção para admissão no ensino superior, tendo tido a adesão da maioria das instituições públicas e de uma parcela significativa das instituições privadas. Estas mudanças tornaram o Enem o segundo maior exame de seleção para o ensino superior do mundo, ficando atrás somente do Gaokao, exame de admissão ao Ensino Superior chinês.

Do ponto de vista estrutural o Enem passou a ser constituído por 4 provas de múltipla escolha e uma redação, tendo como base uma matriz de referência, que abarca 4 áreas do conhecimento, a saber: Ciências Humanas e suas Tecnologias (Filosofia, Geografia, História e Sociologia); Ciências da Natureza e suas Tecnologias (Biologia, Física e Química); Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (Artes, Educação Física, Língua Portuguesa e Língua Estrangeira); e Matemática e suas Tecnologias (Matemática). Cada uma das provas de múltipla escolha é constituída por 45 questões, também chamadas de itens, totalizando 180 questões.

Apesar da centralidade que o Enem conquistou na educação brasileira e da importância na definição do futuro profissional das milhões de pessoas que fazem anualmente estas provas, ainda nos deparamos com uma série de dúvidas, “lendas” e desinformação sobre o exame. Esse cenário é ainda mais grave em um contexto de disputas de narrativas, como assinalado por Bodart (2021), ameaças de intervenção advinda das mais altas autoridades do país (OLIVEIRA, 2021) e denúncias de interferência externa realizadas por servidores públicos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão responsável pela elaboração do Enem (ESTEVES; SOUZA, 2020).

É diante desse cenário, muitas vezes marcado por fake news, que considero imprescindível esclarecer as pessoas envolvidas com esta avaliação – não apenas aquelas que realizam as provas, mas também docentes, estudantes de licenciatura, pesquisadores e principalmente as famílias, que precisam ter segurança em relação ao exame. Por estes motivos, apresento alguns “mitos” do Enem, que nada mais são do que dúvidas e desinformações que tenho coletado ao longo de alguns anos de magistério e pesquisa sobre as avaliações educacionais em larga escala.

  1. A Sociologia não cai na prova.

As alterações realizadas no Enem pela Portaria nº 462/2009 (BRASIL, 2009) incorporaram a Lei nº 11.684/2008 (BRASIL, 2008), que tornou a Filosofia e a Sociologia disciplinas obrigatórias no Ensino Médio, conforme é expresso pelas quatro disciplinas que compõem a área de Ciências Humanas e suas Tecnologias (Filosofia, Geografia, História e Sociologia). Para que uma disciplina seja excluída do Enem é necessária a alteração da matriz de referência, que no caso das Ciências Humanas possuí 30 habilidades divididas em 6 competências de área.

  1. Todas as provas valem 1.000 pontos.

A única prova do Enem que vale 1.000 pontos é a prova de redação. As questões são agrupadas em uma escala de proficiência, que é uma métrica ou régua. As questões da prova são posicionadas nesta escala, que vai de 0 a 1.000 pontos, assim, algumas tem valores de 350 pontos e outras de 850 pontos, por exemplo. Para que uma prova tivesse nota máxima de 1.000 pontos todas as questões deveriam ter o nível máximo de dificuldade de 1.000 pontos. A título de exemplo, em 2020, a nota máxima da prova de Ciências Humanas foi de 862,6 pontos, de Ciências da Natureza de 854,8 pontos, de Linguagens de 801,1 pontos e de Matemática de 975 pontos.

  1. Basta estudar atualidades para ir bem nas provas.

Dificilmente iremos nos deparar com um fato recente em uma prova do Enem. Isto ocorre, pois para serem posicionadas na escala de proficiência e, portanto, ser possível a utilização da Teoria da Resposta ao Item, a famosa TRI, para o cálculo das notas é necessário que as questões sejam pré-testadas, isto é, que elas sejam feitas anteriormente por um grupo semelhante ao que vai fazer as provas. Assim, para garantir a segurança da prova e evitar vazamento de informações, as questões após serem pré-testadas permanecem alguns anos no Banco Nacional de Itens (BNI), o que inviabiliza a cobrança de temas atuais nas provas do Enem.

  1. Quem elabora as provas.

Desde 2010 a responsabilidade pelas provas do Enem é de exclusividade do Inep. Para elaborar e revisar as provas do Enem, o Inep abre periodicamente editais públicos para seleção de docentes com vínculo com instituições de ensino públicas. Após um processo de seleção curricular, os(as) docentes passam por um processo de capacitação. Somente após serem aprovados(as) na capacitação é que estão aptos para elaborar e/ou revisar as questões. Entretanto, o processo de seleção das questões e elaboração das provas fica a cargo dos servidores concursados do Inep.

  1. Acertei mais questões que meus(minhas) colegas, mas minha nota foi menor.

No Enem as questões possuem valores diferentes, de acordo com o seu nível de dificuldade. Isso ocorre porque a nota (proficiência) das pessoas que realizam as provas é feita com base na TRI.

os respondentes é Cada uma das questões tem um valor com base na escala de proficiência que vai de 0 a 1.000. Assim, por exemplo, um(a) estudante que acerte uma questão que vale 850 terá uma nota maior do que outro(a) estudante que acertou três que valem 250.

  1. A prova da reaplicação estava mais fácil do que a prova.

O Inep realiza anualmente ao menos duas aplicações das provas do Enem, uma aplicação principal ou regular, feita pela maioria dos(as) inscritos(as) e uma prova de contingência, que é destinada as pessoas privadas de liberdade e aquelas que por motivo de força maior – como por exemplo uma enchente, falta de luz etc., – não puderam realizar as provas nas mesmas datas que as demais. Entretanto, é possível garantir que estas duas avaliações sejam comparáveis tendo, por exemplo, questões pertencentes as mesmas habilidades e competências e posicionadas na mesma pontuação da escala, isso graças a TRI. É com base neste princípio que existe um antigo projeto de promoção de diversas aplicações da prova do Enem ao longo do ano.

Referências bibliográficas

BODART, Cristiano das Neves. Trabalhando o tema “narrativa” na aula de Sociologia. Blog Café com Sociologia. set. 2021.

BRASIL. Lei nº 11.684, de 2 de junho de 2008. Altera o art. 36 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do ensino médio. Brasília (DF), 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11684.htm. Acesso em: 13 de fev. de 2022.

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Matriz de Referência Enem. Brasília: Inep, S/D. Disponível em: https://download.inep.gov.br/download/enem/matriz_referencia.pdf. Acesso em: 13 de fev. de 2022.

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Interpretação Pedagógica das Escalas de Proficiência. Brasília, Inep, 2014. Disponível em: https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/avaliacoes_e_exames_da_educacao_basica/interpretacao_pedagogica_das_escalas_de_proficiencia.pdf Acesso em: 14 de fev. de 2022.

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Exame Nacional do Ensino Médio (Enem): fundamentação teórico-metodológica. Brasília: Inep, 2005. Disponível em: http://www.publicacoes.inep.gov.br/arquivos/%7B9330753A-7FCB-43EC-B99F-2FB657407BE7%7D_ENEM_para%20uma%20discussão%20teórica.pdf. Acesso em: 14 de fev. de 2022.

ESTEVES, Thiago de Jesus; SOUZA, José dos Santos. O Papel do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) na Reforma Gerencial dos Sistemas Públicos de Ensino no Brasil. EDUCERE ET EDUCARE, v. 15, p. 10, 2020.

MEC. Portaria nº 438, de 28 de maio de 1998. Institui o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM. Brasília (DF), 1998. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=181748. Acesso em: 13 de fev. de 2022.

MEC. Portaria nº 462, de 27 de maio de 2009. Altera a Portaria MEC nº 438, de 28 de maio de 1998. Brasília (DF), 2009. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=217611. Acesso em: 13 de fev. de 2022.

OLIVEIRA, Elida. Após Bolsonaro sugerir interferência no Enem, Governo entra no modo ‘redução de danos’. El País. 17 nov. 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-11-17/apos-bolsonaro-sugerir-interferencia-no-enem-governo-entra-no-modo-reducao-de-danos.html. Acesso em: 13 de fev. de 2022.

Como citar este texto:

ESTEVES, Thiago de Jesus. Mitos do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Blog Café com Sociologia. fev. 2022.

 

 

[1] Doutor em Educação (UFRRJ). Docente do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET-RJ). E-mail: thiagoesteves@yahoo.com.br.

 

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Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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